O "TRENZINHO"

O "TRENZINHO"

Quando as mulheres dizem que "homem não presta" sabem do que estão falando... e não exageram nenhum pouco! Quarenta e tantos mil anos após o macho pithecantropus deixar de rastejar e passar a andar ereto, sobre as patas traseiras, continua sendo fato raro mulher roubar, surrupiar coisas ou desejar algo alheio... exceto o namorado (ou marido) das outras. Já o homem acha-se "no direito" de ter o que não lhe pertence e, para isso, não mede esforços nem maneiras de obtê-lo, isso desde a Antiguidade.

Passagens da Bíblia nos contam que o nobre judeu Abimelec matou "apenas" 69 irmãos (menos o caçula) para apossar-se d trono da família. (ver JUÍZES 9, vers. 1-6) Cobiça é qualidade (?!) natural nos machos e foi isso que nos condenou à Morte quando o fruto da árvore proibida, no Paraíso, foi surrupiado pelo Demônio (seria Lúcifer ?!), passado às mãos maldosas da gostosa Eva e findando "no colo" abestalhado do sonso Adão... estava "inaugurado" o "trenzinho", a forma mais antiga de furto em grupo. Romances ingleses antigos, dos 1800, já denunciavam a prática, "inventada" para salvar o ladrão de "uma saia justa" e da forca, em seguida. Diziam escritores bretãos que, enquanto a plebe ignara assistia ululando ao enforcamento de 1 larápio azarado, outros vis "amigos do alheio" agiam no meio da multidão, sangue-frio ou audácia inacreditáveis, desamor à vida ou o prazer mórbido que a alguns compraz o perigo.

O "trenzinho" foi prática comum nos trens da Central do Brasil carioca, quase sempre visando as bolsas das mulheres ou homens com carteira no bolso traseiro. Daí, num choque casual, num desequilíbrio momentâneo do sujeito ao lado, um "empurrão" e... "pimba" lá se vai a carteira do "otário". Sendo mulher, gillette afiada corta a lateral da bolso, aos poucos, e 2 hábeis dedos retiram dela a desejada carteira ou bolsinha, bolseta. Essa vai para as mãos do intermediário atento, ao lado e, deste, para a bolsa da inocente jovem bem vestida que completa o trio, mulher insuspeita sempre. Se o lesado percebe o roubo, muito tarde claro, o intermediário "entra na história" para tumultuar, sabendo de antemão que seu parceiro não tem mais o objeto furtado, enquanto a jovem -- "com medo da confusão" -- afasta-se. Horas depois os 3 se reencontram em local combinado previamente. O ladrão não tem antecedentes criminais, já o intermediário está cheio deles.

Nossa história começa na praia de Copacabana, meio-dia e meia, sábado de sol e praia lotada. O rapaz precisou sair cedo dela, tinha compromisso mais tarde. Vistoso cordão de ouro 18k chamava atenção de todos, fôra presente da namorada e a plaquetinha vinha cm seu nome gravado. Parou numa carrocinha de "cachorro-quente" estacionada na calçada, estava com fome. Já finalizava o lanche quando sentiu um puxão no pescoço... era o cordãozinho adorado sendo levado na marra pelo jovem negro, que passou a jóia da mão direita para a esquerda, enquanto corria em direção a uma moto que vinha devagar, "acompanhando" toda a ação. O rapaz roubado ainda correu atrás do "negão" bem vestido, que montou na "carona" da moto e sumiram antes que alguém reagisse. Um casal que se aproximava da carrocinha tentou detê-los ! Avançou contra o ladrão, tentando dar-lhe 1 "banda" -- rasteira em pé, no jargão capoeirista -- mas o pilantra saltou por cima da perna do rapaz. A tira da sandália saiu e êle a entregou a namorada, para consertá-la, enquanto se dirigia ao furtado, revoltados ambos:

-- "Esses desgraçados não saem aqui da praia... sei onde ficam, êles vão lá pra "Adega do Rei", na rua Siqueira Campos. E o "point" dos patifes" !

O rapaz roubado estava de moto e apressou-se a ir ao local citado, muito frequentado. Encontrou lá os "vermes", gargalhando, copos de cerveja na mão !

-- "E aí, palhaços, devolvam meu cordão, safados" !

-- "Cansou de viver, "bolsominion" ?!, retrucou o da moto.

-- "Petistas" ordinários, vão trabalhar vagabundos... me devolvam o cordão agora ou chamo a Polícia" !

-- "Você está com algum cordão" ?!, pergunta o motoqueiro ao colega negro, cheio de ironia.

-- "Você tem testemunha do tal roubo" ?!, questiona o negro, olhando sério pro rapaz, que ameaça lhe dar um soco. O motoqueiro intervém, tira de sob o tanque de gasolina um enorme "tresoitão", ainda com as fitas isolantes que o mantinham oculto, "camuflado" entre as 2 asas de prata que foram soldadas nas laterais do tanque.

-- "Por acaso quer morrer, otário" ?! 'Vasa" logo ou vai se dar mal... e eu não estou brincando ! Teu cordão, a estas horas, está bem longe daqui" !

O rapaz saiu "cantando pneu" na sua moto, vermelho de ódio e ainda sem noção dos riscos que correra. Passaram-se semanas e a chateação pelo colar perdido não passava... decidiu comprar um usado, ainda estava pagando o anterior, poderia ter ido à praia com um "michelin", jóia falsa, mas não é a mesma coisa. Achou na Internet oferta de cordão de ouro, bem baratinha. Acertou a compra por telefone e um casal compareceu ao edifício, cercado dos modernos aparatos eletrônicos de segurança, câmeras de vídeo nos elevadores. Assim que abriu a porta, belo susto de ambos os lados... as surpresas não cessaram, no cordão à venda o mesmo nome da namorada do rapaz, FÁTIMA. O "casal" se olha estupefato, o Destino lhes pregara uma peça ! Com presença de espírito sem igual, a jovem lembrou da infância e de sua avó "portuguesa com certeza". Num "sotaque" de dar inveja a Amália Rodrigues a moça apresentou-se:

-- 'Muito prazer, ó gajo... sou natural de Alcobaça de Trás os Montes, districto d'Aveiro, em Purt'gal. Cá 'stou a demorar ano e meio, me chamo "M'ria d'Fét'ma". Este bel' c'rdão êl' mo deu assim q' noivamos! !

-- "Ah, vocês estavam na praia quando fui assaltado" !

O rapaz tomou a dianteira, já refeito do susto:

-- "Sim, sim, até tentei deter o miserável... esse cordão foi presente dela, agora casamos e queremos curtir a "lua de mel" mas falta "grana". Daí a Fátima decidiu vender a peça, só assim a gente pode ir a Campos do Jordão" !

-- "É verdad'... só coube "Fét'ma" na plaq'tinha do c'rdão" !

O "desconfiômetro" do lesado não ligou, fecharam negócio e desceram às gargalhadas , pelo elevador social.

Ainda riam quando chegaram na "maloca" do bando:

-- "Adivinhem para quem "passamos" o cordão daquele "ganho" lá na praia mês passado ?! Pro otário que o negão "limpou" !

-- "Cacete", que "fria"... êle não chamou os "ôme", não" ?!

-- "Nem desconfiou... a "purt'guesa" aqui "jogou fumaça" nos olhos do "vacilão" ! Ela "salvou o dia" !, para espanto dos ouvintes. Quando na praia o rapaz fingiu atacar o gatuno, apenas colaborava no plano. O "negão" largou o cordão no chão -- prova do crime -- e o namorado da moça pisou em cima. Ao pegar a sandália "para consertar" repassou o valioso furto (sob a sola do chinelo) para a garota. Isso é o "trenzinho" !

"NATO" AZEVEDO (3/agosto 2019, 6 hs)