A Vizinha
Todo dia ao amanhecer vinha eu a receber o teu Bom Dia. Já aquele dia, não podia mais me dar.
Nem sempre velha, nem sempre ao escasso revestido de fadiga, bem sempre gentil era minha vizinha.
Simpática, amigável a todos, e tão sorridente, que belo revestimento o seu sorriso trazia, mesmo que sem dentes.
Já velha ao meu conhecer de sua aparência, mas sempre com a alma nova e límpida. Era eu grato a sua vizinhança, tão serena.
Viverá ela da mesmice, dia após dia. Que bem fizera para o mundo, nada que seja visível aos olhos de um qualquer. Deveria ser próximo o suficiente para apontar nas janelas da varanda e lhe cumprimentar dali de cima. ''Bom Dia!'' Dava ela a mim com um sorriso banguelo no rosto, quão lindo era de se ver. Partia eu feliz aos meus afazeres do cotidiano.
Tão curiosa certo dia ao me ver perguntou-me o meu nome, eu de estranho apenas respondi. A meditar na levitação de meus pensamentos, já logo alegava, como não se lembrava ela de seu vizinho da varanda da casa amarela.
Não a nada que o tempo não leve
Ele carrega sempre junto a ele
O passado, o futuro e o presente
Restando apenas
Impermanência...
Apanhando um sol de tarde na beira do passeio de sua casa, e ao lado o seu marido, Seu Zé, as cegas de onde estava. Sentei-me ao lado deles dois ali a vista do sol, tão florescente quanto o casal.
Baixo, meio corcunda, cabelo crespo enroladinho, magrelo e de pele escura. Seu Zé era seu nome, ou, pelo menos era assim que todos costumavam lhe chamar. Ele andava de cara fechada pelas ruas, encarando cada um que lhe retrucasse um olhar. Costumava acordar bem cedo e antes de qualquer palavra ou tarefa sempre punha os seus óculos de ver o mundo, e o seu chapéu de palha manchada.
Quando com tempo ele contava a mim e aos meus amigos de rua, histórias de sua vida, de seu tempo de criança e de como as coisas eram diferentes antes do mundo virar o que é. Eram Historias únicas e especiais que só se poderia ouvir de um homem como ele. Sabia ele que a morte estava sentada a alguns metros dali com um binoculo nas mãos a observá-lo, sendo assim só saia de casa para tomar um sol no passeio de sua casa com sua falecida esposa.
A meu ver eram eles os melhores vizinhos que tivéramos todos nós daquele bairro, mas haviam também aqueles que apostavam em qual dos dois morreria primeiro. Sorte aquele que não apostou no Zé.
E logo ali, ao lado do Seu Zé a assistir a um programa de televisão. Sentado ao seu lado, de bico envergado para o chão, todo fardado de preto, ocupando tamanha quantidade de espaço na sala com seus chifres de cervo alongados e sobre eles um corvo despenado.
Morrerá os dois, dia um, dia outro, mas acompanhados pelo mesmo...
O luto pendurou-se em mim por enormidades de dias que ainda me ressecam o suor da lembrança.
O espaço entre a vida e a morte
É o começo de todas as rivalidades
A vida por sua vez golpeia a morte
Porém, em breve
A vingança virá