Gatos da Madrugada

Pela madrugada não somente correm os espíritos estranhos que batem o dedinho do pé na estante dá sala, correm também os pensamentos inacabáveis seguidos de paranoias incontroláveis, os vultos sinistros que passam do nada pelo espelho do corredor e os gatos que dormem o dia todo e quando o tédio vem pela madrugada, decidem assim, cair na porrada bem encima do telhado do vizinho, bom, pelo menos é no telhado do vizinho.

Certa vez, eu já sem paciência de acordar no meio da madrugada graças a alguns gatos que sofriam de insônia e tédio, abri a janela do meu quarto e pedi educadamente para que eles fossem brigar mais adiante dali, quem sabe naquela laje logo ali na frente – Apontei com meu dedo indicador, a laje de um vizinho que eu briguei por causa de um problema com uma bola. O infeliz ao invés de devolver-me a bola que caiu no quintal dele, embrulhou-a e a deu de presente para seu neto. Com todo respeito se não fosse o pinscher que ele tem no quintal eu teria pulado lá para pegar minha bola de volta, o velho estava viajando e deixou uma mulher caducada para tomar conta da casa e do cão.

No dia que a bola caiu na casa do senhor, estávamos eu uns amigos a brincar na rua de minha casa, felizmente, eu chuto muito bem.

- Senhora – Chamei a velhota que estava apoiada na janela da casa.

- Você poderia pegar por gentileza a minha bola que caiu aí nos fundos da sua casa?

- Não dá – Ela disse meio que sem jeito

- Como não dá?

- Tem um pinscher lá no quintal

- Que tem?

- Como o que tem? Tem um pinscher lá!

- Mas ele não é teu?

- Não. Eu dou ração para aquele bicho pela cerca e ainda sim vou armada com uma vassoura. O que acontece é que o dono dá casa está viajando e eu estou ganhando uns trocados para alimentar aquilo lá nos fundos.

-Mas não tem como puxar com a vassoura a bola para perto do portão? Aí você pega ela

- Aquele cão salta que nem um cão, se quiser arriscar esticar teus braços por cima da cerca, eu te acompanho e aguardo você perder os braços na porta da cozinha

- Não, melhor não, eu vou esperar o dono chegar mesmo. Muito obrigado senhora. Mas aqui, quando o dono volta?

- Eu sei lá.

Dias depois eu voltei lá, afim de pegar a minha bola de volta. Dessa vez estava lá escorado na janela o dono da casa, ainda bem.

- Boa Tarde, senhor, outro dia eu estava jogando bola lá na minha rua com meus amigos e eu...

– Deu um chute e ela caiu aqui no meu quintal?

- Isso – respondi meio sem graça

- Bom, sinto lhe informar que sua bola foi comida pelo meu cachorro

- Que bosta, não sobrou nada?

- O que tinha sobrado eu joguei fora

- Muito obrigado senhor, Boa Tarde aí

Dias depois apareceu um garoto jogando bola, com a minha bola! No ‘’campinho do bairro’’. Não havia dúvidas, era tão idêntica que só podia ser a minha, e eu sabia claramente disso, afinal só existia uma bola com uma emenda de fita isolante em todo o município.

Me aproximei deles lá brincando e perguntei na cara dura de quem era a bola.

- De quem é essa bola aí?

- É minha - respondeu um garoto de meio metro de altura

- De onde cê tiro?

- Meu vô me deu

Aí não restava dúvidas, o velho deu a minha bola para o garoto e falou que o pinscher indefeso comeu.

- Posso jogar com vocês? – Perguntei já mal-intencionado

- De fora é seu

- Beleza.

Os pirralhos eram ruins para cacete, depois de alguns minutos finalmente alguém acertou um chute no gol, que bateu na cara do goleiro e depois entrou. Esperei mais alguns minutos a ‘’ambulância’’ chegar para levar o garoto dali, e enfim era minha vez de jogar. O goleiro soltou a bola e o jogo começou:

- Nãooo...! – Gritou o neto do velho mentiroso depois de eu dominar a bola e plantar uma bicuda lá no meio do matagal

O garoto olhou para mim com uma cara arredondada e uma meleca escorrendo pelo nariz:

- E agora?

- Eu sei lá, a bola é sua vai lá pegar

- Eu vou falar com meu vô

- Pede outra bola – Disse um narigudo, incentivando-me a dá um tapa na careca dele.

Calcei minha chinela e saí quebrando.

Depois disso nada aconteceu, provavelmente o velho aprendeu que não se deve dar as coisas dos outros para seus netos e assim, teve de comprar dessa vez, uma bola nova para a criança, ou então... outra bola caiu lá.

Continuando...

Os gatos me encararam com os olhos avermelhados na escuridão, eu, nada bobo me retirei da janela e botei minha máscara de caveira de rosto para ver se assim botava mais respeito:

- Moço, a gente já finalizou por aqui, problemas de irmãos – Disse o gato com um tom calmo após eu voltar mascarado

- Muito obrigado pela compreensão, é que... espera...

Meu corpo congelou por alguns segundos e eu analisei direito aquela situação, não é possível, um gato educado!

- De onde você tirou essa educação?! – Perguntei sem entender nada

- Gatos são educados – respondeu o gato que estava ao lado

- Viu só, nem com você eu estava conversando!

- Sentimos muito por te incomodar moço, não acontecerá novamente – Disse o gato educado enquanto se virava e ia embora dali

Sinistro? Talvez, afinal, nunca na história da humanidade ouviu-se falar de um gato educado.

Dmitry Adramalech
Enviado por Dmitry Adramalech em 06/06/2019
Reeditado em 24/06/2019
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