PASSOS LENTOS
Aqueles passos lentos me sensibilizaram, me deixaram pensativo, me fizeram imaginar o porquê de tanto sofrimento na face da Terra. O pobre homem já de certa idade caminhava bem devagar pelo corredor do hospital segurando uma garrafinha de plástico transparente com uma mangueira fininha que ia até o seu braço. Seu olhar era vazio, parecia que não enxergava ninguém a sua frente, eu tinha a impressão que ia esbarrar em alguma pessoa que circulava ou estava parada por alí. "Pobre velhinho!" - pensei, com os olhos quase lacrimejando, não entendia esse sofrimento e tantos outros que naquele centro médico vira. Por que tudo isso, eu indagava para mim mesmo, mas a resposta por mais que fosse justificada não conseguiria aceitar. Aquilo que eu via naquele hospital era profundamente desumano, minha mente teimava em não aceitar tal situação, imaginava alguma alternativa para reverter aquele quadro de horror.
Os dias se passavam com uma lentidão igual àqueles passos que eu via diariamente no corredor, algumas vezes em completo silêncio e sem a permanência de algum outro enfermo ou visitante, não se via um médico ou enfermeira transitando por alí, mas aquele senhor de cabelos grisalhos e olhar tristonho alí estava, carregava sempre o material suspenso por uma das mãos com o maior cuidado, a garrafinha de plástico continha soro ou outra substância necessária para o seu restabelecimento. Ele costumava andar por alí corredor afora, ia ao banheiro ou a alguma outra área para alguma necessidade. Mas eu estava alí e não conseguia entender porque, não sabia a razão da minha presença naquele hospital por dias incontáveis. Não me lembrava se tinha alguma doença ou se sofrera algum acidente, não conseguia detectar também se estava de pé ou sentado, se ocupava algum quarto desse estabelecimento médico, só conseguia ver aquele senhor caminhando pelo corredor por diversas vezes, ia prá lá, se demorava um pouco e voltava, eu nem sabia em que quarto estava.
Um certo dia eu estava a observá-lo e vi quando dois brutamontes o abordaram e o levaram para uma ala onde muitas pessoas disputavam um lugar para se aquietarem, todas vestidas de branco e bastante agressivas. O pobre senhor foi alí deixado e teve sua garrafinha de soro arrancada e jogada ao chão, uma cena que me chocou profundamente. Não sei onde fui arranjar forças para ajudá-lo, apanhando o recepiente do soro e recolocando a mangueirinha no devido lugar. O senhor me olhou com ar sereno e me ofereceu um sorriso terno agradecendo pelo meu ato. Ficamos frente a frente, mas eu não conseguia visualizar seu rosto com exatidão, por mais que tentasse era impossível. O tumulto que nesse local se estabelecera foi encerrado e todos desapareceram, apenas eu e o senhor idoso ficamos, mas a nossa distância foi aumentando e eu vi claramente quando ele se afastou e ganhou o corredor, dessa vez não em passos lentos, mas em passos acelerados e sem o recepiente com o soro. Fiquei um pouco assustado, mas mesmo assim ganhei o corredor, segurei o recepiente de soro com a mangueirinha ligada ao meu braço e em passos lentos percorri o corredor em direção ao meu quarto sem saber onde era.