O Detetive Transcendental
A Srta. H., uma bela loura alta, toda vestida de preto, procurou-me no meu escritório, no centro de Manhattan. Ela queria contratar os meus serviços para seguir o noivo, o Sr. J., visto que estava para se casar mas não estava bem certa sobre o que ele fazia para viver. Devidamente acomodada à frente da minha mesa, acendi-lhe um cigarro que ela extraíra da bolsa, e indaguei:
- No que ele lhe disse que trabalhava?
- Que era investidor na Bolsa de Valores - redarguiu languidamente, após soltar uma baforada.
- Parece-me algo perfeitamente normal - ponderei. - Muita gente vive de rendas...
- Pessoas que vivem de renda não saem de casa todos os dias de manhã e só voltam à noite - replicou ela muito séria, cigarro ente os dedos.
Apoiei as mãos espalmadas sobre a mesa.
- Ele faz isso no próprio automóvel? - Inquiri.
- Naturalmente. Tem um Buick Super coupé, verde.
O caso parecia simples de resolver. Disse-lhe quais eram minhas taxas, e ela aceitou; negócio fechado.
* * *
No dia seguinte, lá estava eu no trânsito matinal de Manhattan, seguindo o Buick de J.. Ele entrou no Túnel Holland em direção à Nova Jérsei, o que por si só, já era bastante suspeito, visto que a Bolsa fica em Wall Street, na Baixa Manhattan. O que aconteceu em seguida, foi ainda mais estranho: o Buick ultrapassou um caminhão de entregas, que o tirou momentaneamente da minha visão. Quando executei a mesma manobra, o veículo de J. simplesmente havia desaparecido. Não era o caso de ter acelerado, pois o trânsito estava lento à frente. Sem outra alternativa, continuei na mesma trajetória, e ao chegar em Jérsei, peguei o caminho de volta.
O fenômeno repetiu-se nas duas manhãs seguintes. Sempre ao entrar no túnel, o Buick ultrapassava algum caminhão - e desaparecia no ar, como que por encanto. Na quinta-feira cedo, resolvi mudar de estratégia: em vez de ficar passivamente atrás de J., ultrapassei-o pouco antes da entrada do túnel e acompanhei-o pelo retrovisor. Qualquer que fosse o truque que utilizava, teria que fazê-lo perante meus olhos - ou assim eu esperava. O que aconteceu, todavia, é que ele desacelerou e pôs-se atrás de um caminhão baú. Ao sairmos em Jérsei, puxei para o acostamento e esperei o caminhão passar. Pois bem: atrás dele não havia qualquer Buick verde.
Manhã de sexta-feira. Eu teria que entregar um relatório à minha cliente e estava exasperado. Ao volante de um Pontiac Torpedo alugado, aproximei-me gradativamente do Buick de J., e quando entramos no túnel Holland, eu estava praticamente colado em seu para-choque traseiro; que se danassem as precauções, precisava saber onde ele estava indo, e nada mais importava.
O Buick não me escapou. Quando ele embicou em direção a um caminhão baú, pronto para fazer o seu truque de mágica, acelerei e emulei precisamente a manobra. J. percebeu que estava sendo seguido, mas já era tarde; ao ultrapassarmos o caminhão, no meio do túnel, dei um leve toque em seu para-choque. E foi então que tudo ficou preto ao meu redor.
[Conclui em "A Mulher Sem Mácula"]
- [27-04-2019]