A visita da Morte

Acabei de acordar, desculpe. Não percebi que você estava aí. Afinal de contas? Como entrou em minha casa? Há, a porta estava aberta! Mas isso não é motivo para ir entrando na residência dos outros. Isso é uma grande falta de respeito. Eu duvido que o senhor fosse gostar se alguém adentrasse à sua morada assim sem mais nem menos. Saiba o senhor do susto que tomei. Ouça! Meu coração está disparado! Também pudera, nem o mais jovem dos homens suportaria tamanho susto.

Se já está aqui... O senhor deseja alguma coisa? Um lanche? Um café? Bem, me lembrei, não poderei lhe servir nada. Como pode perceber a minha casinha é bem pobre e humilde. Veja estas paredes, tão pretas e sujas por causa do mofo. E esses móveis? Velhos, mas que ainda servem para alguma coisa. Faço as minhas refeições aqui, nessa mesa. É. Infelizmente não como faz dias. A última vez que mastiguei algo foi há três ou quatro dias, um pedaço de pão, velho e duro. Tão duro que meu dente caiu. Mas enfim, o que senhor veio fazer aqui?

Veio me buscar? Mas como assim, me explique, por gentileza? O senhor é a morte! Eu não sabia que a morte tivesse um rosto? Mas o que eu fiz de errado para o senhor vir até mim? Sofri muito na vida! Passei fome! Perdi meus pais quando era apenas um menino que vestia calças curtas e camisa de lã. Você deseja acabar com o meu sofrimento? Não sabia que a morte era assim, tão apressada. Posso ser pobre, mas estou cheio de saúde.

Como assim a minha saúde vai mal? Sinto fortes dores no peito, mas isso não deve ser nada. Provavelmente é devido ao esforço que tenho feito ao carregar aquelas caixas de maçã lá na feira. Eles pagam pouco pelo serviço, e na minha situação qualquer trocado é bem vindo, pena que não dá nem pra comprar um mísero pãozinho. Em vez de me levar embora, bem que o senhor poderia me dar um pouco de pão e água.

Para onde o senhor quer me levar tem comida a vontade? Sério? E lá eu não vou passar fome? Há deve estar de brincadeira comigo?! Está falando sério? Bem, se vai ser melhor pra mim, se não vou mais passar fome e frio. Ok! Se for bom pra mim eu aceito.

Quando vamos? Agora! Mas espere, preciso arrumar as minhas coisas, avisar os poucos que ainda restaram da minha família. Como assim não precisa? Quem é que vai contar a eles da minha partida? Tudo bem, eu entendo. Vamos então!

Nossa! Aqui é calmo demais, tudo muito quieto por sinal. Na Terra eu me acostumei com os barulhos do dia a dia, as buzinas dos carros, as sirenes das ambulâncias, os gritos dos desesperados, e as rodinhas dos jovens. Mas nesse lugar tudo é tão calmo, sem graça. Perdoe-me, mas a vida nesse lugar deve ser entediante.

Há tá legal, eu vou me acostumar com o tempo, com o passar dos dias tudo vai ser diferente. Olha lá, eu vou confiar no senhor.

O senhor já vai embora? Fique mais um pouco, precisamos conversar. Quem é que vai me ensinar sobre a vida aqui no outro lado? Entendi. Vou aprender sozinho, porque tudo na vida é questão de aprendizado, inclusive na morte.

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 29/03/2019
Código do texto: T6610744
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