UM ENCONTRO EM OUTRA ESFERA DA VIDA
Aninha olhou o semblante daquelas pessoas que rodeavam o seu leito no hospital, nada podia falar, ouvia muito pouco e nem sequer compreendia o que comentavam, demonstravam nitidamente uma preocupação por ela, isso ela sabia. Mas como demonstrar a sua gratidão se estava fisicamente imobilizada, respirando através de aparelhos e não conseguia sequer mover um dedo? Lágrimas não podiam rolar de seus olhos, mas sua consciência estava perfeita nesse momento, lembrava de tudo, conhecia bem as pessoas que alí estavam, eram familiares e alguns amigos. O acidente que a vitimou deixou-a entre a vida e a morte, espera agora em um leito de hospital o seu restabelecimento e a volta às suas atividades normais.
No carro viajavam Aninha, no auge dos seus 24 anos, e alguns amigos, a lotação estava completa e eles voltavam da faculdade onde todos cursavam o terceiro ano de Arquitetura, por volta das dez e meia da noite, a estrada estava escura quando de repente um caminhão desgovernado bateu de frente com o veículo deles, que ficou praticamente destroçado. Aninha, que estava no banco trazeiro, com o impacto foi jogada numa ribanceira com alguns ferimentos graves, enquanto os outros tiveram morte imediata. O socorro chegou minutos depois e ela só foi encontrada porque seus gemidos foram escutados pelos bombeiros dentro do mato, sendo levada imediatamente ao hospital.
No quarto a enferma percebia nitidamente os movimentos dos presentes apesar de não conseguir responder aos estímulos do corpo, as dores eram aceitáveis e aos poucos ela foi perdendo a sensibilidade e tudo escureceu, nada mais via. Passaram-se alguns minutos e ela tornou, se via em um local que conhecia demais, era um sítio onde fôra criada na infância, lembrou-se perfeitamente desse tempo. O sorriso do seu avô Constâncio a encantava, suas peraltices eram imitadas por ele, que também se comportava como uma criança. Em um banco alí próximo estava sua avó Matilde, usava o xale que sempre estava no pescoço e nas mãos o croché que era praticamente o seu passatempo. O que a intrigava era que a propriedade já havia sido vendida e as pesaoas que via alí já haviam falecido. Sentiu vontade de chorar, mas ao mesmo tempo foi acometida de uma alegria indescritível, era como se sentisse ainda criança correndo por aquele campo cercado de verde e de um clima agradável. Pena que foram momentos de pouca duração para ela, essa visão a sensibilizou muito, como gostaria que esse tempo nunca houvesse passado!
Aninha despertou no leito e percebeu que uma enfermeira lhe aplicava uma injeção na veia, abriu os olhos lentamente e não viu mais ninguém ao seu lado. Que aconteceu? Pensou ela. Estava lúcida, não sentia dor alguma, os aparelhos a que estava condicionada desapareceram, os ferimentos também não eram vistos em seu corpo e isso ela achou muito estranho. Enfim, o que estaria acontecendo com ela? O quarto de hospital não era o mesmo, esse em que se encontrava era mais espaçoso, mais arejado, muitas janelas eram vistas, porém as pessoas do seu convívio não estavam alí e até a enfermeira que lhe aplicara a injeção havia sumido. Ficou alí na cama, imóvel, pensativa, sem saber o que fazer, foi quando seus olhos se arregalaram ao ver duas pessoas que se aproximavam, entrando por uma porta lateral, as quais ela conhecia muito bem. Eram seus avós, seu Constâncio e dona Matilde, imagem que lhe fez voltar a infância, época em que convivia com eles, ela com seus dez a doze anos, lembrava bem, não entendendo o que poderia estar acontecendo. Seus olhos se encheram de lágrimas, chorou copiosamente, tentou levantar-se do leito mas não conseguiu, faltaram-lhe forças, apesar de encontrar-se aparentemente bem. Seus entes queridos chegaram bem próximo dela, que não parava de chorar, estes estenderam-lhe as mãos e lhe acariciaram o rosto, suas lágrimas não mais rolaram pelo seu rosto e o que sentia agora era uma grande felicidade, uma sensação incrível de prazer. As mãos de Aninha se entrelaçaram com as mãos dos seus avós, que sorriam para ela, mas nada lhe diziam, apenas contemplavam aquele rosto inundado de enorme alegria, um contentamento jamais imaginado pela moça que não conseguia pronunciar uma única palavra. Nesse momento ela viu tudo ficar sem a iluminação natural desde que alí chegara, uma espécie de torpor tomou conta de seu cérebro e ela dormiu profundamente.
Já anoitecia quando Aninha despertou, pôde contemplar a alegria estampada em rostos que bem conhecia e que alí se faziam presentes, os seus familiares e amigos. Pôde enfim ouvir claramente suas vozes e sentir o carinho deles que a todo momento acariciavam seu braço e seu rosto, sentindo também o beijo suave de sua mãe em sua testa e a notícia de que em breve sairia dali.