Densidade

Abro os olhos de repente, na densa e escura noite.

Somente eu aqui. Sobressaltado. Não me pergunte por terceiros, não sei o que eles pensam, não sei nem onde estou. O que sou? Suado, ritmo cardíaco fora do comum e acelerado. Embora a cama esteja quente, sinto meu corpo tão gelado e também meio dormente. Como assim? Cadê minha mãe? Meu pai também não estava aqui agora a pouco? Eles estavam tão lindos. A gente conversava, se abraçava, se amava... não precisa dizer mais nada. Chorei demasiadamente no velório deles dois... Choro contido, aquele que dói mais, bem mais.

De repente, tudo que vejo é 3 pescadores em um barco, é alta noite. As ondas chicoteiam o barco que balança. Logo alí a nossa frente, 4 torres eólicas giram sem parar, o vento é forte. Uma luz azul com cinza desce radiante acima de uma das torres, e um ser que deva vir de um planeta distante, desce de um disco meio achatado, que flutua perfeitamente logo acima. O tal ser estranho e esquisito, mexe em uma das torres por um tempo, como se observasse cuidadosamente. Volta pro disco achatado de onde viera e num flash bem forte de luz azul, desaparece.

Bem alí ainda vejo uma pedra bem grande em cima de outras rochas. Sua forma se diferencia entre as outras. Remete a uma cabeça enorme de um alienígena. Os pescadores me contam que não é rara as vezes que se ouve alí um som como sino de igreja. E os mesmos seres desconhecidos fazem lá, suas estranhas orações.

Em outro instante, vejo uma mulher que vende artigos confeccionados com o que o mar lhe presenteia. Conchas, corais secos e muitos sinos-dos-ventos feitos de um tipo de búzio, que mais parece cristal, todos empendurados, formam uma espécie de cortina no local. O som que emitem, é como vidro batendo um ao outro. Ela me conta que sempre recebe a visita de uma entidade, que lhe conta as mais profundas e bizarras histórias daquele antigo ambiente. Quando a tal entidade se aproxima, os sinos se agitam, e banhado de um som distante e terral, tudo alí inunda naquele suave tinido. Eu ví, eu a vejo!

Em outro instante, me vejo sentado em uma cadeira, na cozinha de onde moro, debruçado sobre a mesa. Então foi só um sonho desde que ví os pescadores? Sim, um sonho vívido e lúcido como nunca antes. As vezes só acho, que tentei lidar com toda aquela loucura, achando que poderia segurar a força do impacto, com as próprias mãos. Sonhador, perdido no infindável vazio ilusório. Vai. deixa doer, deixa sentir...não tem jeito! E vejo algo como uma sombra imensa e desigual, já bem aqui. Perdido na margem de outros mares e rios, sinto dentro de mim um grande frio, que racha e me devora, e me deixa por um fio.

Ah! A janela está aberta. Uma música com resquícios de uma ópera, e que conheço bem, de uma escala triste e tensa, com um refrão seco e único que só diz "easy" compõe a trilha sonora dentro da minha cabeça. Ou, será que toca de fato? Me deixa um pouco mais tenso também. Me dirijo até a varanda. As cortinas dançam suavemente a luz prateada e tão branda. Tu és tão linda minha lua...lua da minha vida! A terra todas as noites, sonha com o teu brilho. E lá em baixo, lá fora, apenas um cachorro sozinho... desceu a calçada e atravessou a rua. Parou por um momento e me observou. Será que sentiu meu medo? Ou de repente viu e reviu os meus segredos e não contou? Juro que não contei a ninguém. Você precisa dormir anjinho inocente.

Eu não estava na pia do banheiro agora mesmo? Lavava o rosto pra tentar pensar melhor... droga, devo ter pego em alguma lâmina e cortei o dedo. Agora o sangue pinga ao chão branco. Dava pra ouvir o eco das gotas, como se fossem bem distante. Outra vez o som dessa porta ao lado rangendo! O vento brinca com ela. Bate, bate e range sozinha.

Essa vizinha, velha maluca nunca toma jeito...mora sozinha,e o seu monólogo parece eterno. Quem é o mais insano? Olho pra ela por um instante. Ela fica olhando pro vazio. "Pervertido, pervertido! Idiota, pervertido pervertido!" Repete frases doentias como uma máquina de scanner com defeito. "Não para de falar! Não quero que pare! Continua, continua! Continua pra sempre! Me conta mais das tuas travessuras!" Até que parou e olhou diretamente para mim. Tem um olhar medonho e tristonho. "Ah aí está você rapazinho! Finalmente te achei! Parece que agora consegue entender o que eu sempre digo não é? Claro, é necessário sair da projeção seu tolo! Hahaha!" A perigosa obsessão de um lunático. Devo entrar... Que horas deve ser? Eu...lembro de ter olhado o relógio a última vez, e passava de 1 da manhã.

Quanto tempo isso durou? Nossa, olha como é linda a água escorrendo lentamente pelo meu corpo e descendo pelo ralo. Já tinha tomado banho hoje? Como se meu corpo derretesse. Abro meu olhos. Pai? Mãe? São vocês outra vez! A cama está tão quente mãezinha! Me faz dormir outra vez? Me conta por que meu irmão foi embora e nunca mais voltou? Não vão embora outra vez, não me deixem mais, eu imploro, suplico! Me concentro no espelho, vejo o outro lado do meu próprio pesadelo. Eu, eu mesmo! Sou eu mesmo mamãe, sou eu mesmo!

Abro os olhos. O sol rasga o céu azul já bem alto, é dia finalmente. Meio zonzo, vou cambaleante até a varanda, com uma mão ao rosto, pelo clarão que ainda me incomoda. Dessa vez me sinto lúcido novamente. Na casa ao lado está uma placa meio desgastada "Vende-se ou aluga." Mas, essa casa não estava ocupada? Toda noite ela não conversava? Eu lembro...que ela me contou! Viro meu olhar para o lado oposto sem entender muito bem, e com muita fome.

Entro novamente. Olho para o chão no meu tapete, e tomo um susto, de repente! O mesmo cachorro da noite passada, que eu jurei ter visto na rua, dormia profundamente enrrolado em sí mesmo, aos meus pés. É idêntico ao meu cachorro que morrera tempos atrás, atropelado. Sento devagar ao seu lado. Com uma mão seguro minha cabeça que inclina para um lado, com a outra, afago o animal, que dorme tão tranquilo. Fecho os olhos. Não necessito saber como foi, ou porquê foi...mas preciso sentir, somente sentir e sentir .

Artur rocha
Enviado por Artur rocha em 25/11/2018
Reeditado em 04/01/2019
Código do texto: T6511819
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