Wave

[Dia. Interior. Sala de um apartamento suburbano londrino, meados dos anos 1960. Ouve-se uma campainha. Mulher vestindo casaco de pele sintética abre a porta. Aparecem dois homens carregando um armário.]

- Somos da transportadora - apresenta-se o primeiro carregador. - É a senhora Fuller?

- Sou eu - responde ela. - Queiram entrar.

Os carregadores entram com o móvel. A sra. Fuller aponta um canto da sala.

- Coloquem aqui... sob este quadro da Grande Onda de Kanagawa.

Os homens atendem a solicitação. O segundo carregador comenta:

- É um belo quadro.

- É uma reprodução - declara a sra. Fuller.

- Sendo uma xilogravura, pode-se dizer que todas são reproduções - pondera o primeiro carregador. - Apenas o molde é original.

- Não sei se foi produzida a partir do molde original - admitiu a sra. Fuller. - Creio que é apenas uma cópia impressa numa gráfica.

- A senhora tem bom gosto - elogia o segundo carregador.

- Obrigada - responde envaidecida a sra. Fuller.

* * *

[Dia. Interior. Na sala do apartamento londrino, a sra. Fuller, sem o casaco de pele, fuma um cigarro sentada num sofá ao lado do armário sob a xilogravura. Ela tem o olhar perdido na distância. Ouve-se uma versão instrumental de "Wave", de Tom Jobim.]

- Que coincidência - ela murmura, de si para si.

A campainha toca novamente. Ela apaga o cigarro num cinzeiro e ergue-se do sofá, que continua a ser enquadrado pela câmera. Ouvem-se vozes femininas indistintas, depois risos. A sra. Fuller reaparece acompanhada de uma outra mulher, aparentando idade similar. As duas sentam-se no sofá.

- Você comprou o armário! - Exclama a visitante.

- Foi uma pechincha! Entregaram hoje...

Ambas acendem cigarros e fumam despreocupadamente. Por fim, a sra. Fuller sugere:

- Quer um martíni?

- Seria bom - agradece a visitante.

A sra. Fuller ergue-se e sai de cena. Ouve-se tilintar de vidros e som de líquidos despejados. A sra. Fuller reaparece com duas taças.

- Chin-chin! - Exclama a visitante, quando fazem um brinde tocando as taças.

* * *

[Noite. Interior. O armário aparece no centro da imagem, com a xilogravura sobre ele. A sala está fracamente iluminada. Ouve-se um suave barulho de ondas quebrando contra a praia, que vai aumentando aos poucos. A sra. Fuller surge vindo da direita, vestindo um roupão de seda, e pára em frente ao quadro, de costas para a câmera. A câmera executa um zoom no quadro, enquanto cresce o ruído das ondas.]

Antes da imagem desfocar completamente, ouve-se a voz de um homem dizer:

- É impossível ser feliz sozinho.

[Fade out]

- [24-11-2018]