Sem receita
Jacob havia me falado da drogaria que havia sido inaugurada na semana anterior, no local onde antes funcionara o armazém de secos e molhados do falecido Pete McConnell.
- É a drogaria mais moderna que eu já vi... - declarou ele solenemente.
- Considerando que você nunca se afastou mais de 20 milhas da cidade, creio que devo acreditar na sua palavra - trocei.
- Eles servem refrigerantes... e sorvete! - Aduziu ele, sem se dar por vencido.
Era verão de 1928 em Indiana, e tudo parecia tremeluzir no ar parado da tarde incendiada. A ideia de tomar um sorvete num local sombreado me pareceu extremamente sedutora.
- Sorvete. Quanto? - Indaguei.
- Um níquel a bola.
Jacob, obviamente, estava sem um tostão e aguardava o meu convite. Enfiei a mão num bolso das calças e puxei todas as moedas que havia ali: quarenta e cinco centavos.
- Você é um homem rico! - Exclamou ele.
- Meu sobrenome é Rockefeller - retruquei, guardando minha fortuna no bolso.
- Pensei que fosse Farley - Jacob coçou a cabeça.
- Deixa pra lá... - suspirei. - Vamos ver esse sorvete.
Descemos a rua, praticamente deserta àquela hora. Um cachorro dormitava à sombra, junto a entrada da drogaria, localizada num cruzamento à duas quadras da prefeitura. A placa do armazém de secos e molhados havia sido substituída por um letreiro de neon vermelho e azul (obviamente ainda apagado), onde lia-se "Wholesome Drug Store". Empurrei a porta vermelha e uma sineta soou. Entramos num ambiente que tinha o frescor de uma manhã de primavera, suavemente recorrida pela brisa de três grandes ventiladores de teto e com aroma de hortelã e salsaparrilha.
- Boa tarde - saudou-nos uma voz vinda de trás do balcão de mármore, onde não vi ninguém.
O dono da voz surgiu, erguendo-se por trás dos tubos cromados da máquina de refrigerantes. Era um rapaz moreno, não muito mais velho do que eu e Jacob, usando branco do chapéu de papel ao avental e camisa de mangas compridas. No pescoço, uma gravata-borboleta preta.
- Boa tarde. Viemos conhecer a drogaria. Ela é bem... diferente - admiti.
- Um novo conceito! - Declarou o atendente. - Sentem-se e apreciem nosso cardápio!
Sentamo-nos em banquetas redondas estofadas à frente do balcão e olhamos para cima, para o painel onde eram anunciados todos os sabores de sorvetes disponíveis no local. Franzi a testa.
- Sessenta e quatro sabores? Isso é sério?
- Muito sério! - O atendente nos encarou com ar triunfante. - E os nossos sorvetes não apenas alimentam o estômago e refrescam o corpo, mas também curam males da alma e do coração.
Eu e Jacob nos entreolhamos.
- E tudo isso por um níquel a bola? - Indaguei.
- Precisamente!
- Podemos misturar sabores? - Indagou ansiosamente Jacob.
- Claro que sim! - Assegurou o atendente. - O que vai ser?
- Você paga? - Sussurrou Jacob, mão em concha no meu ouvido.
- Três bolas para cada um - respondi afirmativamente para o atendente.
- Para mim, Nozes Cremosas, Chocolate com Hortelã e Mirtilo! - Disse Jacob.
O atendente virou-se para a geladaria atrás dele e foi abrindo os recipientes em rápida sucessão, colocando os sabores pedidos numa tigela de vidro. Apresentou-a a Jacob com uma colher e uma recomendação misteriosa:
- Cuidado com a garota em Des Moines.
- Qual garota? - Perguntou Jacobs, surpreso.
- A loura... você vai saber quando a vir. E você?
Olhei para ele e depois para o painel onde nomes exóticos se misturavam. Coco Queimado e Melaço? Era aquilo mesmo?
- Pode fazer acontecer, aqui e agora? - Indaguei, colocando 30 centavos sobre o balcão.
Ele recolheu as moedas e sorriu.
- Você tem mais três níqueis?
Balancei afirmativamente a cabeça.
- Faça o seu pedido! - Exclamou ele, colher de sorvete no ar.
- Coco Queimado e Melaço, Torta de Maçã, Uvas Pretas!
E quando ele colocou a tigela à minha frente e eu estava prestes a cravar a colher na primeira bola, ouvi a sineta tocar. Virei-me e vi a garota que acabara de entrar. Tinha o cabelo cor de avelã, olhos cinzentos e um vestido de verão cheio de flores.
- Sessenta e quatro sabores? Vocês estão falando sério? - Questionou ela, mãos na cintura.
- Aqui tudo é muito sério - respondi. - Wallace Farley.
- May Byrd - respondeu ela, aproximando-se.
- Me acompanha? - Indaguei, mostrando minha tigela.
- Parece bom - avaliou, sentando-se ao meu lado.
Coloquei mais quinze centavos sobre o balcão.
- O mesmo para a senhorita - solicitei.
- [18-09-2018]