Dor e Estrelas

Bebi o último gole de cerveja barata e logo em seguida eu me preenchia de um longo e gélido suspiro mas meu corpo estava estranhamente quente. Eu sentia frio. Meu cérebro pulsava e desde já havia me acostumado aquela dor de cabeça tão familiar acompanhada de expressões rabugentas que se faziam em meu rosto até mesmo involuntariamente. Eu estava cansada e sentia que acabava aos poucos, todos os dias, o que eu sabia que nunca havia começado. Estava cansada de mim mesma e mal conseguia encarar o espelho. E mesmo que o fizesse não me surpreenderia com aqueles olhos pequenos e inchados que procuram por nada. Fitei a carteira de cigarros mas sabia que não sentia vontade de fumar. A dor e o vício eram compromissos e eu sequer possuía interesse em me entregar. A magia tão singela de meus brinquedos de infância já não me fascinava mais, assim como a grande parte de tudo em minha vida e eu me sentia tão parada no tempo que enxergava todo “novo” como o “velho” embrulhado em papel de presente.

Coloquei o copo vazio sobre a veneziana, calcei o tênis e enfiei a carteira de cigarros no bolso do moletom como se ela me servisse de companhia naquele começo de noite cinza com céu apertado e ausência de estrelas. Estrelas. Como o céu ficava vazio sem elas, assim como eu.

Saí pelo portão de casa despontando á procura de nada, á procura de estrelas, talvez. Eu caminhava em asfalto grosso com deslizamentos sutis próximos aos meio-fios. Eu odiava o barulho agudo e irritante que meus tênis faziam em contato com aquele tipo de superfície. Eu precisava de silêncio para entrar em sintonia as palavras secas, sóbrias, falhas, dançantes em meus pensamentos. Senti-me, por um breve instante, distraída pelo vento em curva que me envolvia em um abraço invisível e assoviava em meus ouvidos. Os ruídos tornaram a intensificar-se e por sua vez o sussurro se transformou em um grito. Estridente e estilhaçado. Abalou-me os sentidos por um instante e senti um instantâneo e agradável calafrio. Antes que eu pudesse me curvar, surpreendi-me com uma voz familiar, suave:

– Já faz algum tempo. Por onde andou?

– Estou sempre andando em lugares diferentes mas estou em um lugar só, de fato - sorri sinceramente, ainda de costas - e você? Por onde esteve?

– Já estive, posso não estar por um longo ou curto período de tempo e posso até mesmo permanecer para sempre, porém meu lugar é apenas um: você - pousou a mão sobre meu ombro fazendo menção de me virar em sua direção.

Deparei-me com aqueles olhos repletos de desesperança e frustração mas ao mesmo tempo a expressão de seu rosto era afável, serena. Ela sorriu. Um sorriso leve, breve, certo. De alguma forma eu me identificava e sentia uma intimidade e cumplicidade com aquele gesto e os motivos dele, essencialmente.

Envolveu-me em um abraço fraterno e susurrou palavras doces, seguras: – Você não está sozinha. Estarei sempre com você.

Logo ela desprendia-se de mim e toda a extensão de sua figura adquiria agora uma luminosidade estonteante. Um brilho estelar.

Senti um aperto no peito e num súbito instante o vazio me invadiu novamente.

– Você, sempre tão próxima e eu nunca soube seu nome, afinal - afirmei frustrada.

– Meu nome é dor - respondeu e sorriu amigavelmente. Numa fração de segundos regressou a sua morada no céu.

Ergui os olhos aquela vasta penumbra que agora continha um punhado de estrelas, entre elas, aquela que mais brilhava. Eu estava voltando para casa á procura de nada. Talvez uma dose de ilusão, uma lembrança, uma coincidência ou alguém com seu nome. Talvez estrelas e um pouquinho de dor afogada em melodias cafonas ou transbordando em garrafas vazias. Dor e estrelas. Elas nunca me deixariam.

Bárbara_Marques
Enviado por Bárbara_Marques em 21/08/2018
Código do texto: T6425382
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