O DOUTOR MEXILHÃO ATACA NOVAMENTE

Miguel Carqueija


Simplício era um modesto funcionário público e não conseguia entender porque vinha sendo perseguido por um pesadelo horrível. Naquela noite aconteceu de novo. Ia Simplício, com seu corpo magro de pobre, caminhando por uma longa estrada que costeava uma barreira, quando o tigre apareceu mais uma vez. Como das outras vezes, não havia ninguém para socorrê-lo ou ajudá-lo; nenhum carro sequer. Apenas havia mais adiante uma escadaria que ele pretendia subir se chegasse a tempo. Em nenhum momento, ao sonhar, Simplício lembrava que tigres também podem subir escadas. Ele corria. Dobrava uma esquina, lá estava a escadaria a alguma distância. E corria, e corria, olhava para trás e lá vinha o bicho, decidido a alcançá-lo. Simplício voltou a correr, mas onde estava a escadaria? Lá adiante, muito adiante! E por mais que ele corresse nunca a alcançava e o tigre jamais desistia! Havia um só meio de se livrar daquele terror noturno: acordar. E isso demorava porque ele era um solteirão e não contava com ninguém que o sacudisse na cama para despertá-lo quando começasse a agitação. Sim, pois ele se agitava em meio ao pesadelo, arfava, gritava e despertava ofegante e banhado em suor.

....................................

Cansado desses pesadelos seguidos o coitado marcou uma consulta com o famoso psicanalista, Doutor Mexilhão. Deitado no divã contou todo o seu drama de cada noite.
O Doutor Mexilhão, cofiando a sua barbaça negra, examinou os seus apontamentos. Fizera muitas perguntas durante a consulta, algumas difíceis de responder, como por exemplo quantas listras o tigre possuía, e se era um tigre de Bengala ou siberiano.
— Mas então, Doutor Mexilhão? Já contei tudo. Me fale por favor como é que eu me livro dessa fera.
— É muito simples, meu senhor. Basta conseguir uma ajuda para espantar o seu perseguidor.
— Uma ajuda, o senhor diz? Mas quem é que vai espantar um tigre?
— É fácil. Você precisa de um elefante.
— O que? Um elefante?
— É a solução ideal para espantar tigres. Chame o elefante que tudo estará resolvido.
— Mas e se ele não vier?
— Ele virá, eu tenho certeza. Chame-o pelo nome. Jumbo é um bom nome de elefante. Quando o tigre aparecer grite com todos os pulmões: “Jumbo, socorro! Venha espantar esse tigre! Eu preciso da sua ajuda!” Em suma, grite como lhe ocorrer, estou lhe dando um exemplo.
— Mas será que isso dá certo, doutor?
— Se você chamar com convicção com certeza vai dar certo. Não se preocupe.
— OK, Dr. Mexilhão. Tomara mesmo que dê certo. Afinal eu lhe dei metade do meu salário!

........................

Naquela noite, pouco tempo após pegar no sono, Simplício viu-se de novo no mesmo cenário,certo de que o felino iria reaparecer. E de fato o tigre não se fez esperar. Simplício saiu em louca disparada com o bicho atrás, como sempre acontecia, só que dessa vez ele tinha uma esperança:
— Jumbo, socorro! Jumbo, venha me ajudar! Me salva desse tigre! Socorro, Jumbo!
De repente, enquanto ele corre esbaforido ao longo da barreira, em direção à inalcançável escadaria, ouve um tropel produzido por patas pesadíssimas. Em seguida um assustador bramido. Simplício arriscou um olhar para trás. E lá vinha o paquiderme, aproximando-se a olhos vistos do tigre!

FUUMMM! FUUMMM!

Simplício chegou a parar de correr para apreciar a cena. Assustado pelo bramido o predador voltou-se e avistou o inimigo que se aproximava rapidamente. Nem pensou em enfrentar o paquiderme enfurecido: saiu da calçada e correu para longe, rugindo de frustração. O elefante perseguiu-o um pouco, depois retornou.
Simplício estava entusiasmado.
— Muito bem, Jumbo! Foi sensacional! Você me livrou de boa! O Doutor Mexilhão acertou! Agora, Jumbo... Jumbo? Qual é o problema?

FUUMMM! FUUMMM!

— Não, Jumbo! O que você está querendo? Afaste-se!
Jumbo batia raivosamente as patas no chão, sacudia a tromba, agitava as orelhas e berrava, cada vez mais enfurecido. Finalmente, partiu em desabalada carreira em direção a Simplício.
— Jumbo, não! Nãããooo... socorro! Alguém me ajude!
E o pobre Simplício disparou pelo caminho, tentando desesperadamente chegar na escadaria, sabendo de antemão que nunca iria conseguir.
No fim das contas o Doutor Mexilhão estava certo: o elefante realmente conseguiu espantar o tigre.
O problema agora é: quem vai espantar o elefante?





imagem pinterest


NOTA: se deseja saber mais sobre o Doutor Mexilhão leia os poemas;

"Doutor Mexilhão" (14/12/2017)

https://www.recantodasletras.com.br/poesias-de-humor/6198433

e também "A sorveteria do Doutor Mexilhão" (7/6/2018):

https://www.recantodasletras.com.br/poesias-de-humor/6357653