Escritor

                                                                 1ª Parte

Teodolino é um homem muito pacato, pacato até demais, sua pacatez às vezes irritava até mesmo outras pessoas, paciência pra lá de Jó.

Era sempre muito quieto, gostava de ler, lia todos os tipos, exceto filosofia.  Não! Não dá, filosofia jamé! Sempre deu preferência aos clássicos, por quê? Nem ele sabia, também nunca quis saber, saber pra quê ? pra quê saber?

Durante toda a sua vida, vivenciou dois absurdos que considerava colossais. O primeiro:  formou em filosofia. O segundo: teve um dos maiores entreveros numa palestra sobre literatura na atualidade, principalmente, os textos literários na internet.

Durante o período que morou sozinho, alguns textos de filosofia, caíram no seu colo, pois bem, como as pessoas que moram sozinhas, às vezes, o que não falta é tempo para ler. Lá foi Teodolino lê-los

Os textos de Sócrates na boca de Platão tornaram-se uma fonte de indignação e piada ao mesmo tempo. Calma leitor amigo, a melhor coisa para quem escreve ou lê, é a liberdade de entender ou se expressar como bem queira. Ora, mas e os críticos de carteirinha? Háháhá! Quem estimula ou enche os bolsos dos escritores não são eles. São outros, muitos outros!

Quanto ao prazer ou ódio que o leitor tenha pelo livro ou a obra literária, é puro combustível para o escritor.

Pois bem. Lá foi Teodolino fazer e concluir seu curso. E após o primeiro semestre, entendeu como é a relação entre educação e mercado de trabalho.

A faculdade era de boa a ótima, se o educando tivesse interesse em estudar, não lhe faltaria bons mestres para lhe instruir. Aqueles aprendizes que queriam apenas o título, passavam tranquilamente. Havia uma política na faculdade bem simples: o mercado seleciona os melhores, portanto, um canudo não tem valor nenhum no mercado de trabalho, apenas a competência. Certo ou errado, é nesse mundo que está aí que vivemos. Adapte se a isso ou ...

Quando terminou o curso, teve algumas decepções, mas muitas alegrias também. Aprendeu a ler e interpretar um texto. A respeito do que o texto fala, por que fala, qual o contexto histórico, principalmente qual o objetivo e para quem o autor escreve. Também quais são suas intenções subliminares nas entrelinhas. Conheceu muitas pessoas inteligentes e com visão de mundo totalmente diferente da sua.

Participou de muitas palestras e congressos. No final descobriu que seu maior prazer era a literatura romântica, suspense, policiais e muitas outros estilos. Textos filosóficos são muito bons, mas passava para seus amigos aficionados pela filosofia.

Teodolino fez parte de uma geração que vivenciou o surgimento do celular e da internet. Essas duas ferramentas tecnológicas oferecidas ao mesmo tempo à humanidade, foi um absurdo de inovação.

É tanto que deste quando surgiram  até os dias de hoje, as pessoas ainda não descobriram tudo que essas duas ferramentas podem oferecer para uma melhor convivência e desenvolvimento global.

Os pais de Teodolino ficavam encafifados com o jeito como o filho vivia. Desligado do mundo, sempre lendo, ajudava sempre quando solicitado, fazia tudo com boa vontade, mas os pais não compreendiam como uma pessoa tão nova e inteligente, não pensava em casar! Vivia como um ermitão urbano.

Na faculdade conheceu uma pessoa que era uma figura. Num belo dia, conversa vai, conversa vem, num boteco, Teodolino que era chamado de Téo, trocando umas ideias com essa pessoa que era uma figura, perguntou:

-- E aí, você está gostando do curso? Pretende ser professor, alguma coisa na área da filosofia?

-- Ô Parceiro, é o seguinte: eu já formei em geografia, história, letras e psicanálise. À noite faço Direito, o curso de filosofia está terminando, preciso descobrir outro curso pra fazer.

Quando terminou de falar desabou a chorar. Aos soluços tentava dizer mais algumas coisas que não eram muito bem compreendidas; tipo:

-- Tenho necessidade de sempre estar cursando, estudando, não suporto o mundo fora da sala de aula, minha família não me entende! Já fiz o enterro de cada membro da minha família no meu imaginário. O meu inconsciente, todos os dias traz à minha consciência, a imagem que estou carregando os caixões, um por um. Você acha que eu sou normal?

Teodolino olhou bem pra pessoa, não sentia pena, indiferença ou dó naquela figura aos soluços na sua frente. Olhou para o teto, consultou as lâmpadas, haviam cinco acessas, mais quatro queimadas. Acreditou que a sequência de lâmpadas acessas com as queimadas tinha algo a ver, tipo um presságio. Meiou o copo, metade de pinga metade de um conhaque chamado Paratudo.  Após beber num só gole, opinou:

-- Não temos ninguém, família, amigos, inimigos, planeta, sistema solar, avião teco-teco, pé-de-couve, corpo, porra nenhuma! Tudo faz parte do seu imaginário. Eu sou fruto da sua imaginação agora! Entendeu?

Fatos curiosos e escabrosos ocorreram durante o curso, mas dois foram especiais para Teodolino. Um, era o fato que, todas as vezes, fosse durante uma aula, numa palestra ou seminário, sempre era a mesma coisa.

O estudante fazia uma pergunta, o professor primeiro falava de onde vinha a essência da pergunta, ou seja, segundo o filósofo tal, que escreveu sobre isto, fundamentado naquele outro filósofo.

A resposta sempre era baseada em interpretações dos filósofos. Os professores nunca davam suas próprias opiniões. Às vezes o pau quebrava, o aluno queria somente a opinião do professor nos dias atuais!  E não o que os filósofos pensavam.

A segunda coisa que deixou Teodolino estupefato, foi numa palestra de um mestre da USP, que apareceu no interior para fazer uma apresentação sobre Sartre. Dizem que Sartre foi ciceroneado deste o dia que pisou na terra da garoa, até o dia que zarpou das terras tupiniquins, por esse professor ilustre da capital.
O absurdo de Teodolino aconteceu quando esse famoso palestrante da USP solapou a plateia com a seguinte afirmação:

-- O termo “fenômeno” é de origem grega. Quem não sabe grego, não terá condições de entender o real sentido do termo “fenômeno”.

Teodolino na sua simplicidade e honestidade, olhou para a plateia, ele estava na primeira fila, observou atentamente cada um dos presentes. Tinha plena certeza, convicção absoluta: se dois ou três soubessem grego era muito, no meio daqueles mais de trezentos ouvintes. Infelizmente, 99 porcento não falavam nem liam em grego.

Muito calmamente levantou, ofereceu sua cadeira a uma espectadora novinha que estava encostada na parede e escafedeu-se de lá. Foi até um bar, folheava Fiódor Dostoiévski pensando em Machado de Assis. Pensou: esses dois...

Pouco tempo depois dessa palestra, Teodolino se formou. Com direito a colação de grau, se vestiu de morcego, jogou o chapeuzinho do mago Zébedeu para o ar. Foi para um bar já preparado com uns cinco amigos.

Encheram a cara, riram de tudo e de todos do período acadêmico, por fim, lembraram do professor de lógica que nunca dava aula de lógica. Havia até um ditado entre os colegas de sala: a única aula que não tem lógica, é a aula de lógica do professor Vitor Hugo. Ele nos orientava a fazer relação dos fatos históricos com a atualidade.

Como trazer o sentido da História no dia-a-dia, coisa que os professores de filosofia nunca fizeram. Nunca nos orientávamos a reinterpretar os filósofos com suas ideias do passado nos dias de hoje. O professor de lógica nos dava aulas da vida: o professor de lógica agia assim oh!:

-- Estudem lá no livro, quando aparecer alguma dúvida, me procurem no meu departamento. Em sala de aula tenho coisas mais importantes para passar para vocês!

O tempo passou, as lembranças da faculdade, dos colegas, foram ficando escassas, longínquas, esvaindo, escorrendo pelos vãos dos dedos como água. Até que a faculdade se resumia ao título guardado em algum lugar da casa e três colegas desse passado, mas que não faziam nenhuma menção sobre a faculdade. Morreu! A faculdade já era um passado do passado.

Num dia meio cinza, com umas rajadas avermelhadas no céu, Teodolino se propôs a escrever. Os primeiros foram textos críticos, sobre opiniões de jornalistas e escritores, com mais um pouco de tempo, começou a escrever contos, e gostou da coisa! Virou um contista.

Escrever para ele era uma revolução na mesma proporção que o início da internet. Começou a ler contos que eram disponibilizados na internet, logo logo, descobriu! Sites e blogs de escritores anônimos que publicavam seus textos.

Pesquisou daqui, pesquisou dali, e de repente começou a fazer parte de um desses sites que publicam contos de qualquer pessoa.

Teodolino descobriu que seu maior prazer era ter muita tinta pra gastar:  a cada dia, a cada hora, surgiam mais e mais ideias para novos contos. E lá ia tinta sem dó. Passou a trocar ideias com outras pessoas que escreviam pelo prazer de escrever, deslizar a caneta numa superfície infinita, era de deixá-los em êxtase.

No domingo à noite, voltando do cinema, assistiu um filme do Mazzaropi remasterizado, colorido. Ficou uma bagaça, mas assistir Mazzaropi com ou sem cor era e será sempre bom. Viu um cartaz pregado na parede de uma escola: palestra sobre a literatura na internet, o palestrante seria um senhor que havia publicado dois livros.

Os títulos dos seus livros eram estranhos. Teodolino nunca tinha ouvido falar dele. Ninguém nunca havia mencionado para ele sobre este escritor ou trechos de suas obras, era um estranho no ninho!