A Moça da Janela
 
Adelaide é uma mulher linda, olhos verdes e arredondados, lábios volumosos, o lábio inferior fica sempre viradinho pra baixo, como se ela estivesse emburrada, mas não, é assim mesmo, lindos, vermelhos e muito brilhantes. Não há maquiagem naqueles lindos lábios, apenas uma fina camada de saliva que é constantemente umedecida com a ponta da língua.

Ombros largos, talvez já fora um dia nadadora, só uma atleta teria os ombros tão largos. A pele, ah a pele! Lembra pêssego maduro, com aqueles pelinhos pititinhos, pititinhos.

A blusa deixava uma boa parte dos seios expostos, seios fartos, arredondados! Seriam rijos? Adelaide sempre estava debruçada na janela, não era vista nas ruas, escolas ou bares, sempre na janela. Com os dois cotovelos, se apoiava na janela, num ângulo de noventa graus, as mãos para fora da janela, sempre uma mão alisando a outra.

O pai da donzela, era o senhor Fugêncio, conhecido por doutor Fugêncio. Dono de uma pharmácia, sim leitor amigo, o pai da moça era da época de pharmácia com ph.

A fama de doutor foi devido ao seu largo conhecimento prático e em medicar seus clientes. Quando os médicos da região não conseguiam descobrir a causa da moléstia do enfermo, doutor Fugêncio entrava em ação. E resolvia trazendo a saúde ao infeliz. Até o dia que:

Numa tarde de sábado, entrou um senhor na casa dos 47 anos de idade, com uma dor de cabeça muito forte na pharmácia. Após ouvir o breve histórico do paciente, o pai de Adelaide não titubeou, misturou um rivotril tarja preta com uns antidepressivos a base tricíclicos, monoaminoxidase e serotonina.

O sujeito tomou o remédio ao lado do farmacêutico prático, tentou levantar-se para ganhar a rua, sentou. Devido ao seu peso, superou suas forças facin, facin, olhou para esquerda, direita, para a botina.

Olhou fixamente para o teto e quando voltou a olhar para o doutor Fugêncio, já estava debatendo os braços sem nenhum nexo. Caiu, bateu a batatinha que já estava fritando por dentro: primeiro, teve uma convulsão alucinada. O corpo se retorcia todo, os braços, as pernas, a cabeça era jogada com força em movimento circular.

Os funcionários se juntaram em volta do sujeito, muitos transeuntes que passavam, entraram para ver e filmar com seus celulares aquela coisa tresloucada.

De repente o perturbado, disparou a dar risadas, gargalhadas homéricas. Era um drama aquilo: um homem se estrebuchando todo às gargalhadas e rodopiando a cabeça como um peão na mão de um menino.

Entrementes, entre os curiosos havia uma psicóloga, e explicou a razão das gargalhadas do coitado:

-- Amigos, está tudo bem, calma! Muita calma nessa hora hein! A psicóloga exigia calma, mas já dava mostra de estresse: o riso é só uma autodefesa que fica escondida nas profundezas do subconsciente primitivo de todos os seres humanos.

Quando uma pessoa tem um ataque epilético, o certo é não tocar na pessoa. Ele está sorrindo só pra todos acharem que tudo está normal.

-- Mas por quanto tempo é normal? O que pode acontecer se o ataque não passar? Perguntou um curioso.

-- Se ele não retornar ao normal logo, ele vai morrer. Olha lá! O doidão já engoliu a língua! Apontando o dedo e falando a doutora dos alienados. Explicava o conflito do Id, do Ego e do Superego, que povoa a mente de todos nós.

Noventa porcento dos ataques súbitos, dos seres humanos, é um acerto de contas desses três seres imaginários que vez ou outra, se pegam as bordoadas e pauladas.

Fugêncio não deu a menor moral para a professora de loucura, mulherzinha metida a besta, pensava ele. Enfiou o dedo na boca do sujeito, deu umas sacudidelas no peito do alucinado, seguidas de uns tapas na fuça do coitado.

O ataque passou, mas doutor Fugêncio perdeu a pharmácia. O conselho regional de medicina bateu em cima do dono da pharmácia com vários processos. Doutor Abhadio odiava o pharmacêutico. Fechar a pharmácia foi a glória para o doutor ginecologista Abhadio.

A mãe de Adelaide, dona Marinalva, era lavadeira, depois lavadeira e passadeira, depois lavadeira, passadeira e cozinheira. Depois virou diarista. Num belo dia, um de seus patrões, pediu para Marinalva fazer as compras e controlar a dispensa.

A habilidade como fazia as coisas, sempre era tão bem feito, que um certo momento, Senhor Deusdenite, dono de um hotel, convidou a esposa do doutor Fugêncio a tomar conta de um hotel pequeno.

Cinco anos depois que Marinalva foi trabalhar no hotel, se tornara uma grande administradora de três hotéis: dois na cidade que morava e outro numa cidade há sessenta quilômetros de casa. Dona Marinalva era referência em administrar hotéis.

Adelaide nunca era vista fora de casa, sempre na janela. Luiz Alberto, um mulato pele de chocolate, depois de várias tentativas imaginárias frustradas, conseguiu, cumprimentou Adelaide. Ela retribuiu com um sorriso incandescente.

Luiz Edberto, um sujeito que é bom de coração, mas que não media as palavras antes de cuspí-las, também resolveu encarar a moça da janela e a cumprimentou.

Ganhou um aceno com uma das mãos, foi o suficiente para se sentir o preferido dela. Claro! Se houvesse outro, coisa que ele duvidava. Ela era moça direita, pensava ele.

Luiz Roberto, rapaz desconfiado, tipo mineiro que come quieto, aventurou-se a enamorar aquela moça que mais parecia uma flor da janela. Adelaide sorriu, franziu levemente a testa, mordeu no lábio inferior, fechou as duas mãos com força, deixou seus cabelos deslizarem até esconder as partes dos seios que ficavam à mostra.

Com o passar do tempo, criou-se um ritual, cada aspirante tinha seu horário, em função da boa convivência entre pessoas educadas.

Uma, duas, três semanas se foram. Entraram os meses, as estações, todos os dias lá estavam os três sonhadores em busca do coração da moça da janela.

Havia uma regra entre eles, não dita um ao outro. Apenas com o passar do tempo, essa regra surgiu sub-repticiamente entre eles, que se quebrada, e quem a quebrasse, seria banido da janela. Não convidariam ela para sair ou querer ser convidado para entrar na casa dela.

Luiz Alberto, Luiz Roberto e Luiz Edberto, não se conheciam, apenas de vista.  Um esperava o outro desocupar o posto debaixo da janela para tomar seu turno. Até o dia em que, do nada, ela fechou a janela.  Não apareceu nem deu satisfações ou explicações da decisão tomada.

Após uma semana, os três mancebos errantes, estavam no mesmo bar, sem nenhum pudor, Luiz Roberto chamou Luiz Edberto e Luiz Alberto para dividirem a mesma mesa. Quando os três estavam acomodados em torno da mesa, com bebidas e petiscos, Luiz Roberto falou:

-- Amigos, acredito que a curiosidade não é só minha, o que aconteceu? Por que Adelaide mantém a janela fechada? Alguém aqui tem alguma ideia?

-- Não faço a menor ideia parceiro, depois de tantas insinuações por parte dela, ela simplesmente cerrou a janela sem dar sequer um tchau! Falou Luiz Edberto.

-- Eu também não faço a menor ideia ou sei a razão, se é que há alguma razão nessa atitude tresloucada dessa mulher, falou Luiz Roberto meio exaltado!

Sem a menor preocupação aparente, eles começaram a falar sobre esporte, política, outras garotas da cidade. Umas eram consideradas bonitas, outras barangas no vestir, tinha as que eram muito legais, mas feias pra chuchu, outras muito bonitas, mas chatas e meio travadas. Na velocidade que iam bebendo, iam ficando mais íntimos e alegres e soltos, até que:

-- Pessoal, eu acho que Adelaide é manca, morre de vergonha de sua deficiência, falou Roberto.

-- Não! Tenho certeza, ela só tem uma perna! Já analisei. Eu ficava observando seus jeitinhos para se ajeitar na janela. Balbuciou Edberto.

-- Acho que não é nada disso. Ela não tem as duas pernas! Sou capaz de apostar. Foi acidente de carro com uma locomotiva. Lembram do acidente lá na estação há quinze anos atrás? Pois é, ela estava no carro, sentenciou Alberto.

Por volta das duas da madrugada, já bêbados, resolveram apostar, mas a aposta seria num jogo de palito com luvas de box. Pediram ao dono do bar, senhor Azazel, três pares de luvas. No fundo do bar havia uma academia de box para os frequentadores se divertirem com o esporte, considerado a nobre arte.

Era uma risaiada só!  Eles jogarem com as luvas, os palitos não paravam entre as luvas. Para beber, precisavam de segurar os copos com as duas mãos. No final estavam os três abraçados, chorando e lamentando o final infeliz. Admitiam que o melhor seria dois deles serem rejeitados, mas um ser escolhido. Um final justo!

As quatro horas da manhã, se despediram como se fossem amigos de longa data. Combinaram de se encontrar no próximo final de semana. Entrementes, os três, agora amiguíssimos, passaram pela última fez por debaixo da janela. Lá estavam os três diante da janela dos sonhos acabados. Só havia, lembranças, pesares e ranger de dentes. Mais nada.

-- Acabou? Disse um deles.

Adelaide, havia mudado para uma cidade próxima, onde sua mãe administrava um dos hotéis da rede que ela administrava. Seu noivo havia chegado do oriente médio, onde passara dois anos trabalhando.

Assim que o noivo chegou, os dois passaram a morar juntos. Numa cerimônia só com os pais e os irmãos, comemoraram a união. Adelaide era perfeita, pernas grossas e roliças, cilíndricas, simplesmente perfeitas.

Os três Luízes não foram um passatempo para ela, apenas os tratava bem e como bons amigos, eles eram engraçados com seus jeitos e trejeitos em tentar se fazerem de atraentes e inteligentes.

Os pretendentes frustrados continuavam na mesma ladainha, tinham certeza! -- Ela é manca.

-- Nada disso! Eu vi, ela só tem uma perna!

-- Pelo amor de Deus, gente! Me falaram, ela não tem as duas pernas! Pô!

Durante um bom tempo, acrescentaram mais algumas coisinhas, tipo, ela tinha câncer e mudou para capital para se tratar; ou, caiu da janela, bateu o cebolão no chão e esta em coma.

No final concluíram que ela havia se suicidado por ter que decidir entre um dos três. Não aguentou a pressão, bebeu Furadan misturado com veneno para rato e morreu.