Eram sete horas de uma manhã quente no Rio de Janeiro. Gigantesca fila de veículos para no sinal, pela fresta da janela semiaberta, ergue-se um polegar.
— Olá, como vai! Quanto tempo!
— Pois é. Desde a época na fábrica de celulose em Recife!
— Até mais vê-lo!
— Até mais, Valença!
A menina do semáforo apressa-se. Esfrega a esponja, depois puxa a água com um pequeno rodo. Enxuga os vidros. A mão lhe estende uma moeda. — Deus lhe pague, seu Paulo — disse Nathalie.
O sinal abre.
Motoristas arrancam os veículos, simultaneamente. Nathalie acena. Ravenala fica triste. Aquela menina deve ser da sua idade. Muitas crianças não estudam porque os mandarins guardam o dinheiro da Educação em cextos rotos. Quebram limites e barreiras, vencem obstáculos, e burlam a Lei. Com asas negras sobrevoam, impunes, o abismo de seus crimes. Maquinam o mal e só o mal fazem ao semelhante. Eles sequer atentam à voz do orador:
Até quando, Cantilena, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Planalto, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem... Nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te? Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?...Oh tempos, oh costumes!
Até quando, meu Deus! Até quando...
Diria Cícero cuja voz ecoa há mais de dois mil anos.
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste? Nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te?
Ravenala não tinha mais lágrimas para chorar a cena que via:
As meninas do semáforo vivem expostas aos perigos da rua. Cadê o dinheiro dos impostos que não foram carreados para a Educação, Saúde e Segurança Pública? Até quando, meu Deus os mandarins encherão seus bolsos com o dinheiro extorquido dos mais fracos? Poderosos atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo.
Fecham a cortina do palácio, e se regalam com os impostos pagos por aqueles que ardem em chamas. Até quando abusarão da nossa paciência?
A palmatória do mundo é de ferro! A morte que antes voava sobre a periferia das grandes cidades, agora atinge também os bairros nobres. Famílias tidas como elite, perdem filhos para os traficantes e para as drogas. O crime já é praticado, e também sofrido pelo jovem rico. Mas aind é na classe pobre, que surge em proporções desastrosamente assustadoras. E perseguidas.
O sinal fecha. O tempo fecha. A alma inocente se abre em franco diálogo com o pai.
— Será que a menina do semáforo tem casa?
— A maioria não tem família.
Bem dizia a Santa Madre: As crianças são mais carentes de amor do que mesmo de pão.
— Não tem onde morar?E se ela for morar lá em casa?
— Ame-a assim mesmo como ela é, e está. Alguns pais não criaram seus filhos como desejavam ou nem mesmo os criaram.
O pomo de adão subiu e desceu em sua garganta. E Jeremias segurou as lágrimas com a mão.
***
Adalbeto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
Contato com o autor: adalbertolimapoetadedeus@gmail.com
Leia também do autor Adalberto Lima
Heróis do terror e do medo
Contanto um conto
Um sorriso e uma lágrima
- Clara e Francisco(miniconto)
- ILHA DO MEDO
O VÉU DO TEMPLO
PEGADAS NA AREIA
- Vendilhões do templo
- O FANTASMA (suspense)
- A paisagista
O canto da sereia - história de amor
Passageiro da agonia II
Caverna particular
Um sorriso e uma lágrima
Não cabe no coração (miniconto)
Fernão Noronha Capelo
Desconstruindo sonhos
— Olá, como vai! Quanto tempo!
— Pois é. Desde a época na fábrica de celulose em Recife!
— Até mais vê-lo!
— Até mais, Valença!
A menina do semáforo apressa-se. Esfrega a esponja, depois puxa a água com um pequeno rodo. Enxuga os vidros. A mão lhe estende uma moeda. — Deus lhe pague, seu Paulo — disse Nathalie.
O sinal abre.
Motoristas arrancam os veículos, simultaneamente. Nathalie acena. Ravenala fica triste. Aquela menina deve ser da sua idade. Muitas crianças não estudam porque os mandarins guardam o dinheiro da Educação em cextos rotos. Quebram limites e barreiras, vencem obstáculos, e burlam a Lei. Com asas negras sobrevoam, impunes, o abismo de seus crimes. Maquinam o mal e só o mal fazem ao semelhante. Eles sequer atentam à voz do orador:
Até quando, Cantilena, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Planalto, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem... Nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te? Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?...Oh tempos, oh costumes!
Até quando, meu Deus! Até quando...
Diria Cícero cuja voz ecoa há mais de dois mil anos.
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste? Nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te?
Ravenala não tinha mais lágrimas para chorar a cena que via:
As meninas do semáforo vivem expostas aos perigos da rua. Cadê o dinheiro dos impostos que não foram carreados para a Educação, Saúde e Segurança Pública? Até quando, meu Deus os mandarins encherão seus bolsos com o dinheiro extorquido dos mais fracos? Poderosos atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo.
Fecham a cortina do palácio, e se regalam com os impostos pagos por aqueles que ardem em chamas. Até quando abusarão da nossa paciência?
A palmatória do mundo é de ferro! A morte que antes voava sobre a periferia das grandes cidades, agora atinge também os bairros nobres. Famílias tidas como elite, perdem filhos para os traficantes e para as drogas. O crime já é praticado, e também sofrido pelo jovem rico. Mas aind é na classe pobre, que surge em proporções desastrosamente assustadoras. E perseguidas.
O sinal fecha. O tempo fecha. A alma inocente se abre em franco diálogo com o pai.
— Será que a menina do semáforo tem casa?
— A maioria não tem família.
Bem dizia a Santa Madre: As crianças são mais carentes de amor do que mesmo de pão.
— Não tem onde morar?E se ela for morar lá em casa?
— Ame-a assim mesmo como ela é, e está. Alguns pais não criaram seus filhos como desejavam ou nem mesmo os criaram.
O pomo de adão subiu e desceu em sua garganta. E Jeremias segurou as lágrimas com a mão.
***
Adalbeto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
Contato com o autor: adalbertolimapoetadedeus@gmail.com
Leia também do autor Adalberto Lima
Heróis do terror e do medo
Contanto um conto
Um sorriso e uma lágrima
- Clara e Francisco(miniconto)
- ILHA DO MEDO
O VÉU DO TEMPLO
PEGADAS NA AREIA
- Vendilhões do templo
- O FANTASMA (suspense)
- A paisagista
O canto da sereia - história de amor
Passageiro da agonia II
Caverna particular
Um sorriso e uma lágrima
Não cabe no coração (miniconto)
Fernão Noronha Capelo
Desconstruindo sonhos