Não foi debalde...
Crise hídrica? Enfrentamo-la desde a chegada a Pitangui, em junho de 1958. A chamada pena d´água que nos servia, retirada da rede pública na altura do largo de São José, mal chegava a molhar os canos. Um mijico de dar dó. E nó. E a roupa se lavava na Bica da Gamilera, a uns 15 minutos de nossa casa, que servia a vasta comunidade, tanto do ladilá, quando do ladicá. Operação de paciência e resignação, mas com ordem que já não se vê desde então.
Embora a casa vizinha de cerca fosse a de vovó, e lá tivesse já a sua cisterna, e nossas relações fossem mais do que amigáveis, e de sangue, a meação do benefício gerava uma tensão algo semelhante à da Faixa de Gaza com a Terra Prometida que conhecemos hojendia.
Assim quando papai chegou com o cisterneiro Walder nossa alegria foi uma só. E pela boa causa, nós, Bebel, Beu e eu, passamos a saber o que era dar uma mão, (de obra, escreva!), empurrando carradas de terra e argila para o vizinho Buracão que a uma centena de metros era onde acabava nosso beco sem saída. E o mano Zé, ainda mais dimenor, acompanhava cada carrada, tanto para estimular a perrada, quanto pra servir de lastro na volta...
Ticintina que pajeava então o mano Nato, e que numa noite quase foi engolida pelo cone vazio, recuperou-se rápido do susto, e nos animou no trabalho, a cada dia, profetizando o merejá do lençol freático. Que chegou mesmo, ali por volta dos 17 metros de profundidade.
Walder, o alemãozinho, na sua picaretagem de truz, experimentaria ali naquele crucial estágio, a infelicidade de um corte no pé, que não teve maiores consequências do que um atraso no cronograma e um repouso que até hoje lhe vale a menção de gratidão ao velho, por tê-lo remunerado na inatividade e ainda ter levado cesta básica pro sustento de sua família no Bairro do Lavrado.
A caixa de tijolos e cimento que desde 1961 orna a referida cacimba, de 19,40 metros, sob a coberta, quase como uma extensão da cozinha, é como um altar para a mamãe. A mera menção de lá se botar o bumbum desencadeia a mais veemente reação, mesmo se estiver imaculado o aludido dito cujo.
Aliás, mamãe implantou um ritual para a tirada da água que é observado mesmo longe de seus olhos: limpeza da tampa da caixa, puxada boa na corrente do sarilho para ver se não há calanguinhos de parede e teto que podem eventualmente querer dar um finquete a la Tarzan, e, só aí, a lavada por dentro e por fora do balde - com água da própria cisterna - e finalmente a abertura da tampa dobrável para que se possa iniciar a operação a que chamamos familiarmente de tirar um bardágua...
Vai aí um gulim?