Abriu-se o templo de Deus no céu
e apareceu, no seu templo, a arca do seu testamento.

 
 
Houve relâmpagos, vozes, e um  estrondo como o ribombar de trovões; em seguida, um homem de terno branco, estacionou o fusca preto na faixa que separa o céu da terra. Rasgou um bilhete de loteria e elevou as mãos em prece: ‘Senhor, tu me deste o tempo necessário para plantar e para colher, adiaste a ceifa para que minha alma atingisse a maturidade, segundo Cristo; e prolongaste minha vigília para que eu Te encontrasse, antes do entardecer de minha existência. Eis-me aqui, frágil e dependente da Tua misericórdia.
Aliviado, Androceu viu Ramayana apagando o fogo que saia de um tubo com a ponta alargada, outrora, usado por viciados para fumar pedra. Pedra que consumiam. E  somem vagando no mundo feito zumbis. Ela apagava os cachimbos de craque, com a água que corria do lado direito do templo.  Escondido na penumbra de suas más inclinações, o  Anjo Negro se diverte e brada com voz cavernosa: ‘Não tem jeito! Condenados! Todos condenados. ’ Ramayana ofereceu água àqueles que tinham sede. E suas almas, antes manchadas, iam tomando brancura. Com efeito, o anjo de voz gargalhada, desapareceu  numa nuvem de fumaça negra. 
— Bem — vindo, Androceu — disse Ramayana.— Uma   multidão de índios, também recebeu boas vindas.
João Velho e outros vaqueiros cortavam a betônica no peito, correndo boi.  ‘Pega e leva ao estábulo para adorar o Menino Santo’ — disse o patrão.
— O boi é  arredio demais, Generoso! 
— Então leva  boto cor-de-rosa. Leva também Mimosa com a cria.
João Velho consulta o livro da vida e reescreve sua história:
— Não quero vaqueiro caçando onça! Vaqueiro é pra correr atrás de boi.
— Alguém viu José Lino?— Quis saber Euzébia.
—Foi colher lírio do vale com Smith e Reika.
—Quem é Reika?
— A cigana que passou por Campo Grande, e deixou o coração de nosso filho apertado.
— Nunca soube!
— Nem poderia, Euzébia! Há verdades que só podem ser reveladas após a morte.
— O coração do homem guarda muitos segredos.
— A mulher é toda mistério.
— Não sabia que cigano ia para o céu.
— Reika está aqui. Aquela tenda listrada é dela. 
— Aquela é a tenda que você pôs abaixo com um chute?
— Não! Aquela parte foi apagada na confissão que fizemos na festa do vaqueiro na fazenda Campo Grande.
— E as onças que você matou. Também estão no céu?
— Os tempos celestes não conhecem o ontem nem o amanhã. Tudo é hoje. Por isso, Deus não olha o passado. Passado, presente,  e futuro,  só existem no calendário dos homens. Este mesmo Deus que fez o mundo e tudo que nele existe,  fixou os tempos e os limites de sua habitação sobre a terra.
— Bichos vão para o céu?
— Alguns! O cavalo que cochilava à beira da cerca, não compareceu.  Fingia-se doente. Era mentiroso. E foi mordido pela serpente.
 
***
Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 28/05/2017