A braços com o amor

(Duma história ouvida na casa de vovó, no Brumado, contada por uma dona Lenita, parenta, em visita, que jamais voltei a ver)

Era mesmo amor de roça, mas de paixão, mais do que grossa. E com que sofrimento, já prenhe de seis meses, viu Maria partir João, a trabalho em local remoto, ignoto - obra do Capiroto? Juras e juras contudo renovadas por vidas ao amor consagradas.

Nos dias de solidão e esperança é que Maria suas saudades tecia, enquanto o ventre a cada dia mais presença se fazia... E Maria não descansou enquanto linhas amorosas não traçou e a um conhecido não as confiou.

O mensageiro era boa pessoa, de trato e prosa boa, contudo por demais confiado e com pouco tino para enfrentar as maldades do mundo. Tanto foi, que a meio caminho, à dona de uma hospedaria tudo contou sobre o amor do casal.

A hospedeira, roída por vis sentimentos de inveja, começou a entrar naquela correspondência enquanto o emissário dormia e, a cada parada sua, tanto na ida quanto no regresso, alterava todo o conteúdo das cartas, louca para ver a infelicidade dominar aquele já sofrido lar.

Na que foi a derradeira, escrevendo como se fosse João, exigia que a mulher, Maria, já com a criança que no colo nutria, como prova de supremo amor, fosse-lhe ao encontro, não sem antes de ter cortados ambos os braços...com o filhinho cavalgando-a pelo pescoço...

E cega de amor, Maria fez como o determinado, e se pôs a caminho...Ao tentar atravessar uma traiçoeira pinguela, um passo em falso, fê-la despencar na correnteza e, com a criança prestes a se afogar, eis que, num supremo desejo, ao se abaixar, novos braços se lhe surgiram...e nesse milagre quantos atos de amor não se inspiram...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/02/2018
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