Estrepitoso silêncio
Era praxe, e vai ver que não deixou de ser, os funcionários diplomáticos de uma Embaixada regalarem o chefe do posto, no caso, o Embaixador, com alguma coisa que expressasse ao mesmo tempo apreço e subalternidade diante da Excelência Extrordinária e Plenipotenciária que o chefe encarna. Sem contar, é claro, o bouquet de rosas à Senhora Embaixatriz.
Em Varsóvia, quando lá chegou em março de 1982, o Embaixador Armindo Cadaxa, proveniente da Embaixada em Kingston, Jamaica, não podia ser diferente. Sua Excelência assumia ali, aos quase 65 anos de idade o que seria seu derradeiro posto no exterior, num coroamento expressivo a um dedicado funcionário, que tinha perfil de literato de alta estirpe, já havendo publicado obras de variado gênero, inclusive composições poéticas em língua inglesa que o faziam, intimamente, equiparar-se à linhagem de um William Shakespeare. Demais, estava casado com um nobre descendente do indigenista Cândido Mariano Rondon.
Se por um lado cuidei do bouquet, por seu turno, pressurosa, Lina percorreu o mercado de arte varsoviano, rico e variado, malgrado as inelutáveis perdas com a ocupação alemã, e mais ainda, com a libertação soviética, e achou um quadro que lhe pareceu bem adequado, em representatividade e por estar ao alcance de nossas economias para a circunstância.
De posse do quadro, pintura a óleo que mostrava uma cena palaciana tipicamente de corte heróico, levei-o para a Chancelaria e o apresentei ao Embaixador. Sua reação imediata, ao abrir a embalagem foi de espontâneo entusiasmo, e das mais positivas. Chegou a especular que a cena retratava uma apresentação de credenciais em gesto de nobreza. E dali, o levou para a Residência, onde pretendia exibi-lo.
Qual não foi a surpresa de Lina, contudo, encontrar, duas semanas depois, na mesma loja em que o adquirira, a mesma peça, à venda. Não chegou, contudo a inquirir, buscar detalhes sobre uma eventual troca de mercadoria, ou reavença do capital dispendido. Estava mais do que segura.
Para um último ato de boas-vindas, faltava-nos oferecer um jantar ao casal ambassadorial. Marcada a data, com a antecedência mínima de sete dias, recebêmo-lo, chez nous, como aprazado, no formalismo respeitoso que a ocasião requeria.
E em nossa sala de jantar, conquanto acanhada para o brilhantismo dos convidados, forçoso reconhecer, estava lá, a saudá-los da parede, o quadro, em obsequioso mas estrepitoso silêncio.