GATOS

GATOS

POR ROOSEVELR VIEIRA LEITE.

Nunca gostei de gatos. Na verdade, gatos e cães, papagaios e periquitos não são meu forte. Quando criança, a cachorra Malta e seu amigo Baker encontraram lugar em meu coração. Mas, depois da mudança para a Barão de Stuart os animais sumiram de vez da minha vida. A pobre Malta morreu de desgosto na casa de um amigo de meu pai, e o Baker não sei dizer o seu destino; dizem que meu velho o deu para um amigo na Parangaba. Agora, nestes dias, quando a idade e a solidão me encontraram definitivamente, me engracei por uma gatinha que encontrei num abrigo de gatos, aqui, em Campos. A “Caolha” era uma gatinha ainda criança acanhada quando chegou, mas com o tempo, depois de se curar de tudo, a felina menina se animou, e ficou uma gracinha de gata, e muito sapeca. A dei este nome porque a pobre gatinha vira-lata estava com o seu olho direito muito doente, e o outro um pouco fora de foco. Posso dizer que a menina doente achou abrigo no coração deste velho contador de histórias. E o tempo passou; Caolha se tornou uma gata mulher mãe de filhos, e minha solidão continuava a mesma, afinal, conversar com gatos não é uma coisa muito estimulante.

As manhãs me levanto por volta das seis, molho as plantas com muito cuidado; falo um pouco com elas, as vezes, até passo do limite. Uma vez conversei com minha cidreira da saudade que tenho de minha filha que mora em Aracaju; outro dia, foi a vez do boldo da Pérsia, com ele comemorei o mestrado de meu filho que, também, mora em Aracaju. A gata Caolha esteve comigo em todos estes momentos. O animal pulava pra lá e pra cá; dava saltos sincronizados, e, até, parava para me encarar como se estivesse entendendo tudo. Quem sabe os bichos nos entendam, todavia, nós quase nada sabemos deles.

Caolha crescia e sua prole também. Os vizinhos diziam para darmos anticonceptivo para Caolha. Alguns reclamavam do barulho nos telhados. Assim, nada demais acontecia, Caolha vivia e eu também.

Para ser honesto. O que minha pessoa queria era que todos aqueles gatos fossem pessoas, filhos, parentes, amigos, e que nós pudéssemos falar de tudo e sobre tudo, mas, a vida não é fácil. Todo mundo vai embora, um por um, depois, restamos nós e as velhas e boas recordações, ou aqueles fantasmas antigos, nem é bom falar sobre essas coisas.

Um dia fui ao quintal, era sete da manhã. Andei por toda a área e não vi um gato. Era um silêncio total. Do quintal fui para a área lateral onde fica o jardim. Pensei que os gatos podiam estar lá. Nenhum gato vi dos 25 gatos gerados por Caolha. Pensei: “Onde estão os gatos?” O silêncio foi interrompido pelo gemido fino de uma gato que respondia ao chiado do outro. Isto ocorria na área da frente. Corri até lá e me deparei com algo que eu nunca vira em todos os meus sessenta e sete longos anos. Os gatos estavam dispostos em círculo, bem no centro dois deles disputavam um combate. Quando cheguei eles pararam, e no mesmo instante, viraram-se para mim e me fitaram. Um gato malhado branco e preto, um exemplar felino muito robusto e forte, me encara com olhar agressivo e sopra para mim seu bafo de raiva. Imediatamente, os demais fazem o mesmo, exceto, a Coalha que num canto observava tudo em silêncio. Chamei minha menina pelo nome. Mas, ela ficou onde estava. Voltei para dentro e passei o resto do dia nos meus afazeres. De tarde, fui molhar as plantas. Meu pé de hortelã miúda se esparramou pelo chão viçoso, cheio de vida. Um banho, ou chá de hortelã pode ser de muita serventia para a saúde humana. Dizem que o banho deve ser tomado na lua certa. O cheiro das plantas me enchia o nariz, e nos pensamentos, as lembranças de casa, ou de minha família, aqui, em Sergipe ferviam como molho quente. “Mas, por que eles não aparecem logo?” “Demoram demais para ver o velho”. “Bem, mas, gente nova tem tudo pela frente, querem viver; eu, eu estou, aqui, aposentado”. Ouvi a panela de pressão apitar. Era a sopa do jantar que ficou pronta. Fui até o fogão e bem no pé direito do mesmo jazia inerte um pobre pardal sem cabeça. “Mas, o que que é isto?” “Caolhinha nunca atacou os pardais” “Aqui, nesta casa pássaros e gatos sempre viveram em paz?” “Não, não, num é bem assim”. Ponderei e ponderei certo. Os pardais fazem parte da cadeia alimentar dos gatos isto é, perfeitamente, compreensível. Tomei o corpo do animal morto e o levei até o jardim para enterrá-lo, percebi, então, que se tratava do corpo de um pardal velho. Aquela era uma ave idosa cansada. Enterrar o pardal foi o momento mais sinistro que enfrentei até aquela ocasião, pois, todos os filhos de Caolha estavam no jardim, uns sobre o muro, outros espalhados pela área do jardim e eles estavam a comer, e comiam todos pardais. Ao ver a cena fiquei um tanto assustado porque as aves caiam do céu como que fizessem um voo suicida rumo à morte. Achei depois que, embora sinistra a cena era um fenômeno natural. Certamente os pardais aposentados e solitários como eu estavam desistindo da vida. “Deve ser o círculo natural das coisas”. Logo fui para minha rede estendida bem no fundo de casa no lugar mais fresco. Deitei-me por um momento e voltei a pensar nas saudades. Ah, saudades! Isto é coisa que não tem cura. Adormeci ali mesmo. O vento fresco do sertão soprava forte vindo do sul. Sonhei com Caolha e seus amigos vira-lata. A gatarada estava em festa por causa da ração de peixe que encontrei na venda de seu Davi. Gato pé duro come tudo que encontra, por isso, tirei a bichinha da rua quando criança. Meus sonhos me levaram aos braços de minha menina. Ela estava tão linda. Era o dia de seu aniversário de quinze anos. Foi uma data especial para todos nós. Meus sonhos aos poucos foram escurecendo. Uma noite de terror, subitamente, se instalou na minha mente onírica. Era só um pesadelo. Pensou minha pessoa. Os gatos me atacavam e me comiam pedaço a pedaço. Um gato grande, bigodudo saboreava com muito gosto minhas vísceras espalhadas pela rede de algodão. Lentamente, os felinos me devoraram até restar somente os meus ossos. Depois, eu não sei se acordei, mas, todos os meus estavam, finalmente, juntos comigo no mesmo lugar.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 11/01/2018
Reeditado em 21/12/2019
Código do texto: T6223679
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