A Sereia do Rio Guamá
Ela era conhecida dos índios que moravam na parte de cima do rio Guamá. Há anos que nenhum pescador havia se deparado com a tal criatura. Os índios diziam que ela tinha vindo de longe. De um grande lago salgado que fica no final do rio e que bebe toda a sua água. Segundo as histórias que se ouvia, teria subido e se adaptado bem na água doce.
Era uma moça linda, cabelos escuros como a noite, olhos brilhantes e castanhos, pele morena e macia, todavia, tinha o poder de mudar de afeição, mas, embora sua beleza encantadora, o que todos deviam tomar cuidado mesmo era como o seu canto. Pois com o canto encantava qualquer um, conquistava e depois o convidava para ir nadar, levando-o para o fundo do rio. A muito tempo, porém, nem mais os índios que a conheciam, não a tinham visto mais. Eles a chamavam de A Sereia do Rio Guamá.
Manuel estava preparando uma pescaria justamente no lugar onde ela teria sido vista mais vezes. Ficava na curva do rio. Aqueles que conheciam a história e sabiam onde era o lugar, não ficavam muito tempo naquela área, nem mesmo os índios. Principalmente homens, pois era o que ela mais gostava de atrair.
— Não vá homem, pare de ser teimoso, égua! — Dizia sua esposa, dona Vergulina.
— Para de ser lesa, isso é conversa de índio; e mais, vou levar comigo a imagem de nossa Senhora de Nazaré e de São Benedito, nada há de me acontecer.
Manuel havia convidado alguns outros pescadores, mas ninguém quis acompanhá-lo naquelas águas perigosas. Então decidiu ir sozinho. Preparou a canoa, colocou dentro suas redes de pesca e outra de dormir, anzóis, cachaça para nos momentos de frio da noite, fumo, botas sete-léguas, e outras coisas mais. A pescaria seria no dia seguinte. Antes passou em seu Maneca, que era seu rezador de confiança, para receber um banho de ervas. Seu Maneca era neto de um dos Pajés da tribo de cima do rio. E muito escutava, quando menino, seu pai lhe contar sobre a sereia.
— Bom dia, seu Maneca!
— Opa! Dia, maninho, venha, adentre em meu barraco.
— Licença!
— Aceita uma cuia de açaí, preparei a pouco, estar bem fresco.
— Égua, sério, té doido, aceito sim.
Enquanto tomavam o açaí, Manuel começou a contar sobre a pescaria que pretendia fazer no próximo dia, Maneca se assustou:
— Não vá só!
— Não tem jeito, chamei alguns outros, mas ninguém quer ir pescar lá.
— Mas o rio é tão grande, por que não vais pescar em outro lugar?
— Não, é lá que eu quero, tem muito peixe. É lá que há dias vejo o estouro do boto.
— Você estar brincando com coisa séria.
— Seu Maneca, isso...desculpe por ser seus parentes, é coisa de índio.
— Óia seu Manuel, conheço esse rio como a palma da minha mão, quando menino soube de muitos índios que morreram sem ninguém saber porquê, apareciam mortos dias depois, sempre naquele mesmo lugar. É verdade que lá têm bastante peixe, mas o Senhor se quer estar passando fome, para que então essa loucura.
— Não é loucura, sou é cabra macho, isso só serve para quem acredita.
— Venha, vou lhe dar um banho de erva. E boa sorte! Espero de coração tomar uma outra cuia de açaí com os peixes que você trouxer na sua volta.
Enquanto lhe dava o banho e lhe rezava começou a contar a história que muito ouvira no tempo em que morava na aldeia:
— Há muito tempo atrás ela subiu, do grande lago que fica no fim do rio Guamá, para cá. No início ajudava os pescadores a pegarem bastante peixes. Frequentava as vilas ribeirinhas, gostava de festas, dançava carimbó adoidada. Até que um dia conheceu um lindo rapaz que não tirava o chapéu da cabeça. Tratava-se do boto cor-de-rosa. Resolveram se casar, e tiverem três filhos. Escolheram aquela curva do rio para morarem, pois ali é o lugar mais profundo, além de ter uma caverna bem no fundo, mas ninguém sabe a entrada, era onde eles moravam.
— Queres me pôr medo, Maneca, pois saiba que não tenho.
— Só serve para quem acredita, não é mesmo — Continuou: Tudo mudou quando vieram uns pescadores que ninguém sabe de onde. Viram que ali tinha bastante peixe e começaram a pescar. Ficaram dias, e mesmo já bem abastecidos, não foram embora, pois queriam mais. Ela, o boto e seus filhos tentaram se esconder o máximo, mas os pescadores os descobriram. Mataram o boto só para tirar o couro, o mesmo fim levou seus três filhos. Foram embora, e deixaram os corpos no rio. Ela pegou e os levou para dentro da caverna e prometeu que ninguém nunca mais pescaria ali. Aquele que se atrevesse pagaria com a vida, assim como fizeram com a sua família.
Depois do banho de erva, Manuel foi a igreja se confessar e em seguida para casa dormir. No dia seguinte, bem cedo, seguiu seu costume: levantou por volta das seis da manhã, foi até a casa de seus pais pedir a benção e tomar um café preto bem fresquinho.
Na hora da partida, Vergulina o acompanhava, ajudou-o a colocar as últimas coisas que faltavam na canoa. Despediram-se, e Manuel se foi. Navegou por quase três horas. De longe avistou a curva, ao lembrar da história de Maneca, um frio lhe correu o espinhaço:
— Égua, que diacho é isso; que leseira é essa? Lá sou homem de ter medo.
Chegou bem perto da curva, sentiu o rio calmo. Viu bem perto de seu barco um estouro do boto. Assustou-se de tal forma que quase caiu da canoa.
— Eita que aqui têm peixe demais — Disse consigo.
Colocou a canoa na margem do rio e armou sua barraca. Aproveitou para comer e descansar, pois queria pescar no fim da tarde. Chegado ao fim da tarde, armou as redes de pesca e um espinhel. Pegou um anzol, foi para o lugar mais profundo do rio, parou a canoa e começou a pescar. Vez ou outra acontecia um estouro do boto. Mal jogava o anzol na água e logo um peixe pegava. Manuel nunca tinha pegado tanto peixe em tão pouco tempo. Até um pirarucu gigante conseguira fisgar com uma flecha que levava consigo.
A noite dava seus sinais, na mata ciliar se ouvia o cantarolar de uma saracura. Era por volta das seis horas da tarde. O sol já não se via mais e o céu estava tingido de alaranjado. Uma outra canoa se aproximou sem que Manuel percebesse, pois estava distraído com a quantidade de peixe que estava pegando.
— Boa noite! — Disse uma voz suave vindo de trás de Manuel.
Manuel, ao ouvir a voz, assustou-se de tal maneira que caiu no rio dando um grito de medo. Era uma linda jovem. Posicionou a canoa perto onde ele estava.
— Perdoe-me, não queria te assustar.
De dentro da água Manuel disse:
— Você que me perdoe, é que de tanto ouvir falar de uma tal de sereia que dizem existir aqui, acabei me assustando.
— E eu pareço sereia?
— Não, nenhum pouco. Mas o que faz uma moça tão bonita por essas bandas a essa hora, e sozinha.
— Sempre ando por aqui. Meus pais moram mais acima no rio.
— E qual é o seu nome?
— Jandira; e o seu?
— Manuel.
Os dois ficaram por um tempo trocando olhares. A moça não parecia nenhum pouco tímida, o que seria normal, afinal, estava diante de um homem que não conhecia e sozinha, distante de qualquer moradia, embora teimasse em dizer que morava por ali. Não parecia em nada das moças da região. Tinha os olhos azuis, cabelos loiros e cacheados, pele branca como a lua. E quando sorria, parecia um sol a meia-noite.
— Vamos, suba na canoa — Disse ela estendendo a mão para Manuel. Ele estendeu a mão e subiu para a pequena embarcação. Ela continuou:
— Nossa! Você já pegou muitos peixes.
Manuel não conseguia tirar os olhos dela e não dizia uma palavra, a cada movimento seu, parecia que ficava mais encantado. Estava enfeitiçado. No céu, a lua cheia vinha surgindo iluminando as águas do rio, assim como a mata ciliar. Algumas aves da noite começaram a aparecer as margens do rio. Assistiam a cena. Passados uns minutos, a bela moça começou a cantar. Manuel balbuciou:
— Que voz linda você tem.
— Pois então cantarei para você, lindo pescador.
Tocou no rosto de Manuel, beijou-lhe a face, e ele foi reclinando a cabeça para os seus delicados braços. Os peixes que estavam na canoa começaram a saltar novamente para o rio. Ela continuou cantando, sempre lhe acariciando o rosto. Depois de um tempo, Manuel parecia que estava recobrando a consciência, a moça se levantou, saiu da canoa e caminhou alguns metros pelas águas. Já era noite, e a mesma estava prateada. Começou a afundar no rio chamando por Manuel, ele atirou-se no rio e desapareceu nas águas do Rio Guamá.
No dia seguinte foi encontrado seu corpo por uns índios que por ali passavam, estava preso nas mesmas redes que colocara um pouco mais cedo. Levaram-no para a aldeia. Como não sabiam o nome dele, o chamaram de “O Último encantado da sereia”. Passaram-lhe a erva protetora dos espíritos do rio, e o devolveram no mesmo lugar onde o encontraram. Nunca mais foi visto. Depois desse acontecimento, até hoje, nenhum pescador se atreveu voltar a pescar naquela curva do rio.