O HOMEM NO BECO
E ele foi apanhado.
Num beco, atrás da igreja, de cócoras.
Os policiais, temerosos, se aproximaram de forma contida.
Ele não ofereceu resistência.
O algemaram, cautelosamente, o colocaram na viatura.
Sem barulho ou corrida acelerada, chegaram na delegacia
pela porta dos fundos.
O levaram até a sala de interrogatório, leram os seus direitos,
chegou o delegado e um padre.
Padre?!?
Durante o caminho ele pediu a presença de um padre,
assinaria os documentos que porventura contivessem
as declarações que daria espontaneamente.
O delegado fez a primeira pergunta: qual o seu nome?
Ele disse: não tenho nome...
O padre: não se curve à maldade, pode dizer...
Ele sorriu...
O delegado resolveu insistir de outra forma: tem documentos?
Ele: não...
O padre: qualquer revelação será em benefício para o seu perdão...
O delegado se irritou: revistem os bolsos desse detido...
Dois investigadores, cautelosos, o apalparam e disseram: não tem bolsos...
O delegado: o que é isso?!?, tá brincando?
O padre: o avesso do corpo é sua alma, pode se mostrar...
Ele: sabes bem quem eu sou, direi apenas o que me foi confiado...
Nesse momento começou a recitar os versos do Alcorão,
trechos da Bíblia Sagrada, O Talmud, rezava orações
sem levantar a cabeça, contrito, dizia ter o coração despedaçado...
O delegado: que porra é essa?!?, vocês me trazem um maluco
que pediu um padre para confessar e ele começa a rezar?
O padre: confesse, filho, nenhum pecado é tão grave que não possa
ser, (pigarreou), convenientemente dirimido; urge que confesse
para poder ser libertado de si mesmo...
Ele: direi apenas o que me foi confiado, escreva e assino embaixo...
O delegado: é um doido!, levem-no para a cela e pode ser que ele
pense melhor e confesse seja o que ele fez...
O padre: devo dizer que não é fácil arrancar qualquer segredo
de uma pessoa dessa espécie, menos ainda que revele
segredos do seu Pai...
O delegado: Pai?!?
O padre: sim; não sei se o senhor percebeu, ele é um anjo,
desses que dizemos
que caiu na terra por pecados cometidos no Paraíso...
Veio aqui para pagar seus pecados mas não da forma
que usualmente usamos...
Veio expiar sua danações, expulso que foi pelos anjos
que guardam o Paraíso...
O senhor pode prendê-lo por anos, séculos, e não vai adiantar nada...
A qualquer hora ele pode se soltar e sair pela porta da frente,
nada o pode deter, a não ser os anjos do Paraíso...
O delegado: entendi...
Vociferando, quase babando, chamou o investigador, olhou em volta,
suspirou, e disse: prendam esse padre, é outro doidão,
os dois estão mancomunados, esse papo de anjo tá demais, né?
O investigador: delegado, tentamos arrancar as asas do tal anjo
e vimos que elas são de verdade, saem das costas e são bem grandes...
Ele tem uns olhos meios azuis e parecem com água do mar,
continua rezando e disse que perdoa o senhor...
O padre: não falei?!?