BARTOLOMEU

Bartolomeu era um jovem caçador dessas coisas que andam em falta no mercado: sorrisos, risadas, caras de felicidade, gentilezas...

Caçava como meio de sobrevivência, pois tudo o que garimpava nas suas andanças pela cidade era vendido em um bairro pobre do subúrbio onde morava. Ia, portanto, recolhendo um sorrisinho maroto descuidado ali, um olhar de contentamento disfarçado acolá, um gesto, uma revelação, o deslumbramento de uma nova menina moça, o profundo sentimento de gratidão para com o Divino daquele que teve o seu tempo regulamentar prorrogado...

Quando dava sorte, voltava para casa todo feliz e arrastando uma enorme sacola. De longe, a vizinhança logo percebia que ali tinha coisa boa e corria para esperá-lo no portão. Ninguém sequer pensava em barganhar preço, pois todas aquelas boas sentimentalidades, espalhadas sobre a mesa, cadeiras e sofá, eram trocadas por apenas umas poucas moedinhas, o suficiente para garantir o seu pão com mortadela, a pinga com limão ou o frango do domingo.

Tudo era sempre assim, até um dia em que, de tanta insistência, Bartolomeu acabou tendo que vender o próprio sorriso a um vizinho chato que chegou atrasado, mas que alegou precisar fazer as pazes com a patroa. Como não havia mais nenhuma outra sentimentalidade disponível àquela hora, aquele homem acabou levando o seu sorriso no sorriso dele.

No outro dia bem cedo, Bartolomeu já estava de pé na frente da sua casa e pronto para mais um dia de garimpagens, quando viu um sujeito gordinho e careca que mancava de uma das pernas que parecia estar quebrada, dele se aproximar e logo dizer que “tu precisa fazer as malas já; o homem lá de cima mandou dizer isso! ”.

Bartolomeu quis saber mais e perguntou “quem é você; o que houve com a sua perna? ” O homem, então, com um ar meio contrariado “aí, sou anjo; caí do céu, mano!; Bartolomeu já iria perguntar pelas asas, mas o outro, parecendo adivinhar o seu pensamento “ aí, essa já é uma outra história, tá ligado, mano; como é que é, vamos! ” Bartolomeu, sem expressar nenhum sentimento no rosto, apenas sugeriu se “posso levar um franguinho, faço melhor que o de padaria! ”— Imediatamente, aquele jovem arcanjo ostentou um sorriso angelical.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 24/08/2017
Código do texto: T6094151
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