Assim ou ...nem tanto. 103

O Homem-Pássaro

Desgrenhado, áspero de vento e sol, a pele cheia de sal e um agudo sentido de liberdade, tal é o homem dos pássaros em retrato breve por não haver, além das aves, quem se interesse por ele. Sabe todos os sons e assobios, sabe de vidas aéreas, rotas, ninhos, casamentos para a vida. Sabe, também, de pássaros levianos dos que se gastam em dois e mais ninhos sem grande amor às crias. Cabe-lhe dar conselhos aos mais novos, normas trinadas com sotaque humanês e, muitas vezes, se aflige em pios e gestos largos, crocitando como os corvos, vivendo o azul ao sabor do gosto das gaivotas e aves de arribação. As águias dos penhascos respeitam-no. Admiram nele a forma estranha para pássaro, a maneira invulgar de homem, o jeito de saber ser um e outro, vizinho de céu e mar, solitário. Todos sabem que é dali, que pertence ao cheiro das algas, à lama da maré baixa, à espuma. Convivem todos e o homem barbudo é só mais um acidente no mundo livre das aves dali. Esta é uma história sem trama, uma narrativa sem enredo, uma mentira com sabor poético. Também o homem-pássaro tem sonhos e, tantas vezes, pesadelos. Ainda ontem se apertava numa camisa de seda e vestia fato escuro, entrava numa igreja e colocava um anel num dedo esguio. Daria de bom grado a liberdade mas ainda nenhum sonho viera, como gente, convencê-lo a esquecer a língua dos livres.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 02/08/2017
Reeditado em 02/08/2017
Código do texto: T6072180
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