Tobias Vai morrer?
Acordou com o sol golpeando seus olhos, serrou-os para preservar a vista, se deu conta que estava deitado numa calçada de uma rua de algum lugar ignorado, havia uma galera em pé a lhe espiar.
Nunca se sentiu tão bem, extremamente disposto e rejuvenescido. Aos poucos a plateia à sua volta foi se dispersando, entrementes, alguns mais curiosos permaneceram em pé lhe espreitando.
Um senhor de estatura média, lhe interpelou:
-- Gaiato, você está melhor, precisa de assistência ou quer que chame uma ambulância?
-- Nada disso! Estou ótimo, muito obrigado, gostaria apenas de saber por que estou deitado aqui na calçada e que lugar é esse!
Terêncio estendeu a mão para Tobias se levantar. Apesar de gozar de ótima saúde, Tobias levantou uma das mãos, segurou firme na mão de Terêncio e se ergueu com a ajuda do forasteiro até aquele momento.
Assim que Tobias ficou sob as próprias pernas, contraiu os músculos das pernas o máximo que conseguiu, depois ergueu os braços e espreguiçou esticando-os o quanto aguentou, abrindo-os tanto na vertical como na horizontal.
Passados uns cinco minutos, com exceção de Terêncio, todos os curiosos que rodeavam Tobias, se retiraram, de imediato, o som diário da rua; de carros, ônibus, motos, ciclistas e pedestres sobrepujou o burburinho dos curiosos, aqueles eram percebidos nitidamente agora.
Terêncio é o tipo de biltre que está em extinção, não os encontramos nem nos museus. Veste sempre calça branca, camisa branca, paletó branco, sapato branco, chapéu panamá branco. O bigode é fininho, barba sempre bem-feita, o chapéu firme na cabeça com a pala da frente um pouco recaída, para manter, às vezes, os olhos às escondidas.
Nunca esquece de usar seu par de abotoaduras douradas no paletó, fala devagar e tem uma ótima dicção, sempre cumprimenta as pessoas com um sorriso contido, porém contagiante, acompanhado de um aperto de mãos firmes, quando saúda alguém, sempre mantêm os olhos nos olhos da criatura.
Assim que Tobias terminou seu alongamento, se apresentou para Terêncio, e agradeceu a atenção que o mesmo havia dispensado com ele.
Bem próximo de onde Tobias havia capotado, tem um bar, com mesas no interior e na calçada. Devido ao vexame do ocorrido, Tobias solicitou a Terêncio a lhe acompanhar até o bar:
-- Não sei como lhe agradecer pelos seus cuidados comigo, não quero roubar-lhe seu tempo, mas eu insisto, por favor, me acompanhe até aquela venda, afinal, eu não sei nada do que aconteceu, por favor!
-- Poder ajudar as pessoas é o mínimo que posso fazer nessas circunstâncias, nada além de minha obrigação. Será um prazer acompanha-lo até aquele comércio e lhe colocar a par de tudo que tenho dos fatos.
Aquele que desmaiou, agora estava em estado de vigília e senhor da razão, eles acomodaram no fundo do bar, chamou o atendente e pediu uma cachaça, olhou para seu seguidor, como se estivesse inquirindo qual seria seu pedido. Este foi solícito com o proprietário do bar, pediu cachaça também, mas das amarelinhas curtidas em toneis de madeira.
Uma coceira seguida de um ardor no nariz de Tobias começou a lhe apoquentar, de uma hora para outra, levou a mão ao nariz, uma dor repentina surgiu com bastante intensidade, assim como uma ardência fortíssima na testa. A boca, o nariz e a testa, começaram a minar sangue.
O dono do bar, senhor Ludopédio, apareceu com um pouco de papel toalha e ofereceu para o cliente. Tobias pegou e agradeceu, limpou as partes que estavam sangrando, manteve as feridas pressionadas com o papel para estancar a sangria. Fato esse que não levou muito tempo, logo tudo estava bem, apenas um leve ardido nas regiões esfoladas do rosto.
-- Mas me diga Terêncio, o que aconteceu exatamente?
-- Terêncio deu uma bicada na cachaça e começou sua narrativa. Olha, foi o seguinte, o senhor estava descendo a avenida quando de repente, o senhor levantou os dois braços acima da cabeça, inclinou o corpo para frente, não bateu os dois joelhos direto no chão, mas o corpo foi caindo de forma perfeita em curva, tocando os joelhos, as coxas e a barriga quase ao mesmo tempo.
Depois o peito, o queixo, o nariz e por fim, a testa. Embora que, quando estava com a testa apoiada no chão, todo o corpo estava no ar, por alguns segundos, todo o corpo do senhor ficou retinho de ponta cabeça com a nuca toda curvada para trás.
Ficou de ponta cabeça por uns três segundos, depois completou a cabriola, bateu as costas e pernas no chão ao mesmo tempo.
-- Meu Deus! Como pode uma coisa dessa, olha! Eu acordei me sentindo tão bem, descansado e num bem-estar que a muito tempo não sentia, eu fiquei desmaiado muito tempo?
-- O senhor não desmaiou. Apenas caiu!
-- Estou assustado, afinal, tive a sensação de ter dormido por horas e horas a fio, como pode uma coisa dessa Terêncio? Perguntou gesticulando com os lábios trêmulos.
-- Não serei calamitoso contigo, sem rodeios, algum tempo atrás, aconteceu exatamente com um conhecido meu, isso que aconteceu com o senhor, cinco dias depois ele morreu!
-- Mas morreu de que? Caramba-bolas!
-- É aí que está o mistério Tobias, até ontem ninguém sabe, dizem que lá no IML o corpo dele foi todo esmiuçado, chegaram ao ponto de retalha-lo, e nada da causa mortis!
-- Putakipariu! Eu estou novo demais para morrer! Mas como exatamente ele morreu?
-- Foi na segunda feira seguinte da cambota, ele acordou cedo, escovou os dentes, tomou banho, dizem as más línguas que ele dormia sem tomar banho, gostava de se banhar de manhã, vestiu a roupa, penteou o cabelo, calçou a botina, apertou bem o cinto da calça e foi para a cozinha tomar café.
Quando sentou na cadeira e esticou o braço para pegar o búle de café, morreu! Morreu sentado com o braço esticado, com o búle queimando-lhe a mão.
-- Terêncio, muito obrigado por tudo, então preciso desvendar essa parada. Olha, eu pago a conta, vou procurar um médico, depois passo aqui e te falo tudo. Mais uma vez, muito obrigado, eu te acho por aqui.
Os dois se despediram com um aperto de mãos e uns tapas nas contas.
Tobias pesquisou nas páginas amarelas, o melhor, com o nome e endereço, foi direto ao consultório médico, pediu para a secretária marcar uma consulta com um coloproctologista. Mas a consulta tinha que ser para aquele mesmo dia.
Obteve êxito, mas pagou três vezes mais. Ser médico está se tornando o melhor negócio do mundo, pensou Tobias.
Quarenta minutos depois, estava dentro do consultório sendo examinado pelo doutor Abrasaanel, entre os colegas é chamado de Procaz.
Tobias relatou a queda, tudo como aconteceu e como cuidava da saúde. Após um longo tempo esquadrinhando todo o corpo do paciente, Procaz encerrou o exame com uma revelação:
-- O senhor vai morrer mesmo, talvez não tenha nem cinco dias. Mas não vai se abespinhar por isso, afinal de contas, todo mundo vai morrer um dia né! E por favor, não conte para a família, não vai atormentá-la com coisa atoa.
-- Mas como o doutor sabe que vou morrer?
-- Porque é indubitável, você está vivo!
-- Mas essa resposta não explica nada, seja mais profissional!
-- Oh amigo, você trabalha de mecânico, não é mesmo! Você entende de mecânica, os médicos de doenças do corpo, portanto, fica na sua está bem!
-- Isso é ridículo, se seu carro estraga, eu lhe mostro o defeito e como reparar. Por que você não diz, pelo menos qual é o defeito?
-- Porque eu estou com dor de dente, e não vejo a hora do senhor escafeder por aquela porta, apontando o dedo, e dar no pé para eu procurar um dentista.
-- Mas isso é um absurdo! Eu tenho o direito de saber o que eu tenho, por que vou morrer dentro de cinco dias ou antes!
Doutor Abrasaanel intimou a secretaria e incumbiu-a de arremessar o paciente para fora da clínica, pois já estava preste a dar um tiro de revolver nele, ou uma desgraça maior poderia acontecer dentro do consultório.
Arremetido pelas pernas e esparramado na sarjeta, Tobias continuava estupefato como tudo que havia passado dentro na sala do doutor. Não se deixou abater pelo anuncio da morte eminente, saiu correndo em direção ao consultório de um psiquiatra conhecido de uma vizinha sua.
Entrou na clínica e pediu para ser atendido naquele mesmo dia pelo psiquiatra. Foi atendido pelo doutor Loserman, conhecido na redondeza por linguarudo. Pagou caro, mas conseguiu.
Dentro do consultório e diante do psiquiatra, relatou tudo, do tombaço, da notícia que uma pessoa morreu poucos dias depois e como o coloproctologista lhe tratou.
O doutor ficou olhando fixamente nos olhos de Tobias, depois de um longo tempo, o linguarudo lhe falou:
-- Oh sujeito, você acha que eu me formei para tratar de doido, de retardados, gente maluca? Eu trato antes que a pessoa enlouqueça, o que não é o seu caso, você é doido de pedra, você é daqueles de correr atrás de avião. Não meu filho! Vaza daqui rápido, eu estou morrendo de dor de dente. Vai embora vai!
Antes de ser expulso do consultório, fez um monte de elogios para a mãe do psiquiatra e mandou recomendações para o infortunado do pai também.
Quando ganhou a calçada, avistou um consultório dentário, Clínica Dentária Furador. Seguiu até lá, entrou e pediu para marcar uma consulta.
A secretária, uma negra linda de rosto, pesava pra lá dos 150 quilos, lhe disse que poderia ser atendido em cinco minutos, o preço da consulta era 200 reais adiantados.
Tobias pagou com o cartão de crédito quase já estourado, aguardou ser chamado, em menos de cinco minutos foi introduzido no consultório. A dentista era uma mulher feia demais, era de assustar, que coisa feia, oh loco meu!
Entrou na sala, sentou na cadeira, a dentista colocou um babador descartável em Tobias, colocou o sugador ligado no canto da boca dele e perguntou por que ele estava ali, mas que respondesse sem tirar o sugador da boca.
Tobias relatou tudo que aconteceu deste a pirueta na rua, o médico, o psiquiatra até ele chegar na frente da dentista.
A doutora, além de muito feia demais, era magérrima, pesava no máximo uns 38 quilos, olhos minúsculos e boca enorme, lhe confidenciou:
-- Oh camarada, a sua hora não chegou, ainda não tá! A solução do seu quadro, diante dessa conjuntura é fácil, basta extrair todos os dentes da arcada superior, e você não vai para a terra dos pés juntos.
-- Ótimo, manda vê! Eu topo, pode arrancar todos do andar de cima.
Cinco horas depois, não havia um dente na parte de cima da boca de Tobias. A doutora, às vezes, subia em cima dele para fazer força, ele saiu de lá sem os dentes e com a roupa toda suja devido aos pisões de sapato da dentista.
Ao retornar à rua, foi direto para o bar onde conversou com Terêncio, na esperança de encontra-lo e lhe dar as boas novas. Há poucos metros do bar, caiu exatamente no mesmo lugar como dantes. Antes que houvesse aglomeração de gente, levantou rapidinho, entrementes, Terêncio já estava ao seu lado.
-- Amigo, não se apoquente, já tenho a solução para descascar esse abacaxi, olha, me espere no bar, retorno dentro de duas ou três horas e lhe coloco a par de tudo, não se preocupe, vá bebendo, quando eu voltar racho as despesas com você.
Tobias retornou na clínica dentária à mil por hora, pagou a consulta, entrou no consultório e falou pra feiosa:
-- Arranca todos de baixo também, vai!
-- Caiu de novo né zé ruela, você é muito desagradável, seu vacilão, você é o tipo de gente que merece morrer logo, você é cabeçudo hem!
Sem um dente na boca, saiu do consultório como chegou, ligeiro, quando estava na rua, seguiu novamente direto para o bar, na esperança que seu mais novo colega, estivesse lhe aguardando.
Quando chegou a poucos metros do local que havia tombado pela segunda vez, estancou e não saiu do lugar, olhos vidrados para o lugar, decidiu não passar por lá.
Chamou um taxista que estava estacionado do outro lado da rua. O motorista reconheceu Tobias de imediato.
-- Você é o cara que esborrachou duas vezes ali hoje né! Levo você não seu azarado, vá morrer nas mãos de outro, na minha não, espirra daqui lazarento.
Tobias é um cara obstinado quando decide fazer alguma coisa. Decidido, foi até o bar rastejando, mas um fato fatídico lhe surpreendeu, ao chegar no meio da rua, viu uma carroça disparada em sua direção.
Levantou o mais rápido que podia, entrementes, ao girar em torno de si mesmo para alcançar a calçada, caiu de novo, no mesmo lugar e forma que dantes.
Tobias engoliu o choro e o berro, a decepção, misturada com a indignação lhe arrasava ao extremo. Todavia, não esmoreceu, levantou tão rápido, que acreditou que ninguém havia visto, não, Terêncio estava do seu lado direito, e lhe disse:
-- Não tenha tanta pressa, eu posso lhe aguardar o tempo que for necessário
-- Não sei como lhe agradecer, o senhor é um homem muito paciente e bom. Obrigado, volto já. Volte para o bar que eu retornarei o quanto antes. Pô! Esse cara tá em todas, que cassete!
Tobias lembrou do babalorixá, chefe do terreiro Falange dos Desavisados, que ficava na rua Dos Descaídos no Bairro Caboclo do Zói Vasado.
Quando entrou no terreiro, a entidade que possuía o corpo do pai de santo, estava quase matando o coitado. Tobias entrou sem ser convidado e saltou no centro do terreiro, foi recebido e benzido da cabeça aos pés a vassouradas e aos berros do pai de santo, dor de dente, dor de dente, dor de dente escafede daqui misifí.
Não ficou totalmente magoado ou aborrecido, uma entidade com a espinhela caída, lhe chamou no canto do terreiro, lhe confortou com a seguinte revelação:
-- Vai na paz misifí, você está em nossos corações. Ri, ri, ri, ri, ri.
Com as forças restauradas após o testemunho da entidade, Tobias seguiu direto para o bar. Encontrou o amigo rindo à toa, foi recebido com um forte abraço e finalmente sentaram para que Tobias lhe colocasse a par de tudo que aconteceu, das nove da manhã até aquela hora. O relógio da matriz ribombou onze vezes.
Tobias detalhou tim tim por tim tim, deram várias risadas, enquanto que, Terêncio a cada gargalhada expunha uma quantidade enorme de dentes na boca, Tobias escancarava uma banguela de causar inveja na plateia.
Terêncio levantou da cadeira, convidou outros cachaceiros para se levantarem e aplaudirem o amigo, eles estavam a par da história, porque todos estavam ouvindo a história narrada por Tobias deste o início.
Quando todos ficaram em volta da mesa, Tobias se levantou, ao girar em torno de si mesmo para ficar de frente para a maioria, pisou no cadarço do sapato que estava desamarrado, caiu coincidentemente como pelas últimas três vezes.
O único movimento a mais que houve, foi de Tobias girar a cabeça para a banda onde estava Terêncio, Tobias se sentiu um bocó, um metecapto, que maldição, cair de novo!
Ao ficar de ponta cabeça, com o peso todo sobre a testa, o pescoço não suportou e arriou, fraturou em dois lugares, ao bater com o espinhaço no chão, Tobias já era um presunto. Os olhos esbugalhados expressavam, todas as ações humanas são contingentes e vulgares.
Acordou com o sol golpeando seus olhos, serrou-os para preservar a vista, se deu conta que estava deitado numa calçada de uma rua de algum lugar ignorado, havia uma galera em pé a lhe espiar.
Nunca se sentiu tão bem, extremamente disposto e rejuvenescido. Aos poucos a plateia à sua volta foi se dispersando, entrementes, alguns mais curiosos permaneceram em pé lhe espreitando.
Um senhor de estatura média, lhe interpelou:
-- Gaiato, você está melhor, precisa de assistência ou quer que chame uma ambulância?
-- Nada disso! Estou ótimo, muito obrigado, gostaria apenas de saber por que estou deitado aqui na calçada e que lugar é esse!
Terêncio estendeu a mão para Tobias se levantar. Apesar de gozar de ótima saúde, Tobias levantou uma das mãos, segurou firme na mão de Terêncio e se ergueu com a ajuda do forasteiro até aquele momento.
Assim que Tobias ficou sob as próprias pernas, contraiu os músculos das pernas o máximo que conseguiu, depois ergueu os braços e espreguiçou esticando-os o quanto aguentou, abrindo-os tanto na vertical como na horizontal.
Passados uns cinco minutos, com exceção de Terêncio, todos os curiosos que rodeavam Tobias, se retiraram, de imediato, o som diário da rua; de carros, ônibus, motos, ciclistas e pedestres sobrepujou o burburinho dos curiosos, aqueles eram percebidos nitidamente agora.
Terêncio é o tipo de biltre que está em extinção, não os encontramos nem nos museus. Veste sempre calça branca, camisa branca, paletó branco, sapato branco, chapéu panamá branco. O bigode é fininho, barba sempre bem-feita, o chapéu firme na cabeça com a pala da frente um pouco recaída, para manter, às vezes, os olhos às escondidas.
Nunca esquece de usar seu par de abotoaduras douradas no paletó, fala devagar e tem uma ótima dicção, sempre cumprimenta as pessoas com um sorriso contido, porém contagiante, acompanhado de um aperto de mãos firmes, quando saúda alguém, sempre mantêm os olhos nos olhos da criatura.
Assim que Tobias terminou seu alongamento, se apresentou para Terêncio, e agradeceu a atenção que o mesmo havia dispensado com ele.
Bem próximo de onde Tobias havia capotado, tem um bar, com mesas no interior e na calçada. Devido ao vexame do ocorrido, Tobias solicitou a Terêncio a lhe acompanhar até o bar:
-- Não sei como lhe agradecer pelos seus cuidados comigo, não quero roubar-lhe seu tempo, mas eu insisto, por favor, me acompanhe até aquela venda, afinal, eu não sei nada do que aconteceu, por favor!
-- Poder ajudar as pessoas é o mínimo que posso fazer nessas circunstâncias, nada além de minha obrigação. Será um prazer acompanha-lo até aquele comércio e lhe colocar a par de tudo que tenho dos fatos.
Aquele que desmaiou, agora estava em estado de vigília e senhor da razão, eles acomodaram no fundo do bar, chamou o atendente e pediu uma cachaça, olhou para seu seguidor, como se estivesse inquirindo qual seria seu pedido. Este foi solícito com o proprietário do bar, pediu cachaça também, mas das amarelinhas curtidas em toneis de madeira.
Uma coceira seguida de um ardor no nariz de Tobias começou a lhe apoquentar, de uma hora para outra, levou a mão ao nariz, uma dor repentina surgiu com bastante intensidade, assim como uma ardência fortíssima na testa. A boca, o nariz e a testa, começaram a minar sangue.
O dono do bar, senhor Ludopédio, apareceu com um pouco de papel toalha e ofereceu para o cliente. Tobias pegou e agradeceu, limpou as partes que estavam sangrando, manteve as feridas pressionadas com o papel para estancar a sangria. Fato esse que não levou muito tempo, logo tudo estava bem, apenas um leve ardido nas regiões esfoladas do rosto.
-- Mas me diga Terêncio, o que aconteceu exatamente?
-- Terêncio deu uma bicada na cachaça e começou sua narrativa. Olha, foi o seguinte, o senhor estava descendo a avenida quando de repente, o senhor levantou os dois braços acima da cabeça, inclinou o corpo para frente, não bateu os dois joelhos direto no chão, mas o corpo foi caindo de forma perfeita em curva, tocando os joelhos, as coxas e a barriga quase ao mesmo tempo.
Depois o peito, o queixo, o nariz e por fim, a testa. Embora que, quando estava com a testa apoiada no chão, todo o corpo estava no ar, por alguns segundos, todo o corpo do senhor ficou retinho de ponta cabeça com a nuca toda curvada para trás.
Ficou de ponta cabeça por uns três segundos, depois completou a cabriola, bateu as costas e pernas no chão ao mesmo tempo.
-- Meu Deus! Como pode uma coisa dessa, olha! Eu acordei me sentindo tão bem, descansado e num bem-estar que a muito tempo não sentia, eu fiquei desmaiado muito tempo?
-- O senhor não desmaiou. Apenas caiu!
-- Estou assustado, afinal, tive a sensação de ter dormido por horas e horas a fio, como pode uma coisa dessa Terêncio? Perguntou gesticulando com os lábios trêmulos.
-- Não serei calamitoso contigo, sem rodeios, algum tempo atrás, aconteceu exatamente com um conhecido meu, isso que aconteceu com o senhor, cinco dias depois ele morreu!
-- Mas morreu de que? Caramba-bolas!
-- É aí que está o mistério Tobias, até ontem ninguém sabe, dizem que lá no IML o corpo dele foi todo esmiuçado, chegaram ao ponto de retalha-lo, e nada da causa mortis!
-- Putakipariu! Eu estou novo demais para morrer! Mas como exatamente ele morreu?
-- Foi na segunda feira seguinte da cambota, ele acordou cedo, escovou os dentes, tomou banho, dizem as más línguas que ele dormia sem tomar banho, gostava de se banhar de manhã, vestiu a roupa, penteou o cabelo, calçou a botina, apertou bem o cinto da calça e foi para a cozinha tomar café.
Quando sentou na cadeira e esticou o braço para pegar o búle de café, morreu! Morreu sentado com o braço esticado, com o búle queimando-lhe a mão.
-- Terêncio, muito obrigado por tudo, então preciso desvendar essa parada. Olha, eu pago a conta, vou procurar um médico, depois passo aqui e te falo tudo. Mais uma vez, muito obrigado, eu te acho por aqui.
Os dois se despediram com um aperto de mãos e uns tapas nas contas.
Tobias pesquisou nas páginas amarelas, o melhor, com o nome e endereço, foi direto ao consultório médico, pediu para a secretária marcar uma consulta com um coloproctologista. Mas a consulta tinha que ser para aquele mesmo dia.
Obteve êxito, mas pagou três vezes mais. Ser médico está se tornando o melhor negócio do mundo, pensou Tobias.
Quarenta minutos depois, estava dentro do consultório sendo examinado pelo doutor Abrasaanel, entre os colegas é chamado de Procaz.
Tobias relatou a queda, tudo como aconteceu e como cuidava da saúde. Após um longo tempo esquadrinhando todo o corpo do paciente, Procaz encerrou o exame com uma revelação:
-- O senhor vai morrer mesmo, talvez não tenha nem cinco dias. Mas não vai se abespinhar por isso, afinal de contas, todo mundo vai morrer um dia né! E por favor, não conte para a família, não vai atormentá-la com coisa atoa.
-- Mas como o doutor sabe que vou morrer?
-- Porque é indubitável, você está vivo!
-- Mas essa resposta não explica nada, seja mais profissional!
-- Oh amigo, você trabalha de mecânico, não é mesmo! Você entende de mecânica, os médicos de doenças do corpo, portanto, fica na sua está bem!
-- Isso é ridículo, se seu carro estraga, eu lhe mostro o defeito e como reparar. Por que você não diz, pelo menos qual é o defeito?
-- Porque eu estou com dor de dente, e não vejo a hora do senhor escafeder por aquela porta, apontando o dedo, e dar no pé para eu procurar um dentista.
-- Mas isso é um absurdo! Eu tenho o direito de saber o que eu tenho, por que vou morrer dentro de cinco dias ou antes!
Doutor Abrasaanel intimou a secretaria e incumbiu-a de arremessar o paciente para fora da clínica, pois já estava preste a dar um tiro de revolver nele, ou uma desgraça maior poderia acontecer dentro do consultório.
Arremetido pelas pernas e esparramado na sarjeta, Tobias continuava estupefato como tudo que havia passado dentro na sala do doutor. Não se deixou abater pelo anuncio da morte eminente, saiu correndo em direção ao consultório de um psiquiatra conhecido de uma vizinha sua.
Entrou na clínica e pediu para ser atendido naquele mesmo dia pelo psiquiatra. Foi atendido pelo doutor Loserman, conhecido na redondeza por linguarudo. Pagou caro, mas conseguiu.
Dentro do consultório e diante do psiquiatra, relatou tudo, do tombaço, da notícia que uma pessoa morreu poucos dias depois e como o coloproctologista lhe tratou.
O doutor ficou olhando fixamente nos olhos de Tobias, depois de um longo tempo, o linguarudo lhe falou:
-- Oh sujeito, você acha que eu me formei para tratar de doido, de retardados, gente maluca? Eu trato antes que a pessoa enlouqueça, o que não é o seu caso, você é doido de pedra, você é daqueles de correr atrás de avião. Não meu filho! Vaza daqui rápido, eu estou morrendo de dor de dente. Vai embora vai!
Antes de ser expulso do consultório, fez um monte de elogios para a mãe do psiquiatra e mandou recomendações para o infortunado do pai também.
Quando ganhou a calçada, avistou um consultório dentário, Clínica Dentária Furador. Seguiu até lá, entrou e pediu para marcar uma consulta.
A secretária, uma negra linda de rosto, pesava pra lá dos 150 quilos, lhe disse que poderia ser atendido em cinco minutos, o preço da consulta era 200 reais adiantados.
Tobias pagou com o cartão de crédito quase já estourado, aguardou ser chamado, em menos de cinco minutos foi introduzido no consultório. A dentista era uma mulher feia demais, era de assustar, que coisa feia, oh loco meu!
Entrou na sala, sentou na cadeira, a dentista colocou um babador descartável em Tobias, colocou o sugador ligado no canto da boca dele e perguntou por que ele estava ali, mas que respondesse sem tirar o sugador da boca.
Tobias relatou tudo que aconteceu deste a pirueta na rua, o médico, o psiquiatra até ele chegar na frente da dentista.
A doutora, além de muito feia demais, era magérrima, pesava no máximo uns 38 quilos, olhos minúsculos e boca enorme, lhe confidenciou:
-- Oh camarada, a sua hora não chegou, ainda não tá! A solução do seu quadro, diante dessa conjuntura é fácil, basta extrair todos os dentes da arcada superior, e você não vai para a terra dos pés juntos.
-- Ótimo, manda vê! Eu topo, pode arrancar todos do andar de cima.
Cinco horas depois, não havia um dente na parte de cima da boca de Tobias. A doutora, às vezes, subia em cima dele para fazer força, ele saiu de lá sem os dentes e com a roupa toda suja devido aos pisões de sapato da dentista.
Ao retornar à rua, foi direto para o bar onde conversou com Terêncio, na esperança de encontra-lo e lhe dar as boas novas. Há poucos metros do bar, caiu exatamente no mesmo lugar como dantes. Antes que houvesse aglomeração de gente, levantou rapidinho, entrementes, Terêncio já estava ao seu lado.
-- Amigo, não se apoquente, já tenho a solução para descascar esse abacaxi, olha, me espere no bar, retorno dentro de duas ou três horas e lhe coloco a par de tudo, não se preocupe, vá bebendo, quando eu voltar racho as despesas com você.
Tobias retornou na clínica dentária à mil por hora, pagou a consulta, entrou no consultório e falou pra feiosa:
-- Arranca todos de baixo também, vai!
-- Caiu de novo né zé ruela, você é muito desagradável, seu vacilão, você é o tipo de gente que merece morrer logo, você é cabeçudo hem!
Sem um dente na boca, saiu do consultório como chegou, ligeiro, quando estava na rua, seguiu novamente direto para o bar, na esperança que seu mais novo colega, estivesse lhe aguardando.
Quando chegou a poucos metros do local que havia tombado pela segunda vez, estancou e não saiu do lugar, olhos vidrados para o lugar, decidiu não passar por lá.
Chamou um taxista que estava estacionado do outro lado da rua. O motorista reconheceu Tobias de imediato.
-- Você é o cara que esborrachou duas vezes ali hoje né! Levo você não seu azarado, vá morrer nas mãos de outro, na minha não, espirra daqui lazarento.
Tobias é um cara obstinado quando decide fazer alguma coisa. Decidido, foi até o bar rastejando, mas um fato fatídico lhe surpreendeu, ao chegar no meio da rua, viu uma carroça disparada em sua direção.
Levantou o mais rápido que podia, entrementes, ao girar em torno de si mesmo para alcançar a calçada, caiu de novo, no mesmo lugar e forma que dantes.
Tobias engoliu o choro e o berro, a decepção, misturada com a indignação lhe arrasava ao extremo. Todavia, não esmoreceu, levantou tão rápido, que acreditou que ninguém havia visto, não, Terêncio estava do seu lado direito, e lhe disse:
-- Não tenha tanta pressa, eu posso lhe aguardar o tempo que for necessário
-- Não sei como lhe agradecer, o senhor é um homem muito paciente e bom. Obrigado, volto já. Volte para o bar que eu retornarei o quanto antes. Pô! Esse cara tá em todas, que cassete!
Tobias lembrou do babalorixá, chefe do terreiro Falange dos Desavisados, que ficava na rua Dos Descaídos no Bairro Caboclo do Zói Vasado.
Quando entrou no terreiro, a entidade que possuía o corpo do pai de santo, estava quase matando o coitado. Tobias entrou sem ser convidado e saltou no centro do terreiro, foi recebido e benzido da cabeça aos pés a vassouradas e aos berros do pai de santo, dor de dente, dor de dente, dor de dente escafede daqui misifí.
Não ficou totalmente magoado ou aborrecido, uma entidade com a espinhela caída, lhe chamou no canto do terreiro, lhe confortou com a seguinte revelação:
-- Vai na paz misifí, você está em nossos corações. Ri, ri, ri, ri, ri.
Com as forças restauradas após o testemunho da entidade, Tobias seguiu direto para o bar. Encontrou o amigo rindo à toa, foi recebido com um forte abraço e finalmente sentaram para que Tobias lhe colocasse a par de tudo que aconteceu, das nove da manhã até aquela hora. O relógio da matriz ribombou onze vezes.
Tobias detalhou tim tim por tim tim, deram várias risadas, enquanto que, Terêncio a cada gargalhada expunha uma quantidade enorme de dentes na boca, Tobias escancarava uma banguela de causar inveja na plateia.
Terêncio levantou da cadeira, convidou outros cachaceiros para se levantarem e aplaudirem o amigo, eles estavam a par da história, porque todos estavam ouvindo a história narrada por Tobias deste o início.
Quando todos ficaram em volta da mesa, Tobias se levantou, ao girar em torno de si mesmo para ficar de frente para a maioria, pisou no cadarço do sapato que estava desamarrado, caiu coincidentemente como pelas últimas três vezes.
O único movimento a mais que houve, foi de Tobias girar a cabeça para a banda onde estava Terêncio, Tobias se sentiu um bocó, um metecapto, que maldição, cair de novo!
Ao ficar de ponta cabeça, com o peso todo sobre a testa, o pescoço não suportou e arriou, fraturou em dois lugares, ao bater com o espinhaço no chão, Tobias já era um presunto. Os olhos esbugalhados expressavam, todas as ações humanas são contingentes e vulgares.