A garota do 15º andar

“Basta apenas um pensamento bom, não necessariamente plausível, para se ver as cores por detrás da bruma”

O que será que pensa aquele senhor de cabelos brancos, um tanto alheio ao ulular do vento, que se prostra na sacada defronte, analisando-me timidamente, sorrateiramente, de soslaio, por demais silente, enquanto verto à boca minha cerveja quente, sorvo meu cigarro e levo, novamente, `a mão, minha caneta preta, que respinga gotas negras num papel dormente, teimosamente em não aceitar ideias

Deixando de lado os “entes”, telepatizo:

“Meu bom homem, precisas de um diálogo amigo Oh... nem penses em o tentar comigo! A única necessidade tua, quanto a mim, é pensar consigo:

‘O que será que julga refletir aquele jovem moreno, de ares tétricos, que se prostra na sacada defronte, esquadrinhando-me por inteiro, auscultando meus pensamentos, com seus olhos escarlates, paradoxalmente sereno, compadecido por ser eu, apenas, uma mísera centelha de vida que não vale a pena’.”

Retomando os “entes”, ouço eu, subitamente, uma voz em minha mente:

“Pensas mesmo, meu rapaz, ser este velho um suicida deprimente”

Atônito, verto-lhe o olhar e lhe lanço um pensamento:

“Escusa-me, senhor, apenas divaguei em uma breve história. Talvez pudesse mesmo compor com ela o prelúdio de um novo conto. Sabe, sou deveras, a escritor, um aspirante.”

Com a calma que tão só os olhares senis podem transparecer, transmitiu-me ele:

“E tua história necessita ser assim, por demais triste, tão pequena, suicida

Dar-te-ei, por mim, um novo início, ou, quiçá, inexoravelmente, (já que tanto aprecias os “entes”) um novo fim:

'O que será que pensa, exatamente, aquele senhor grisalho que, lentamente, desaparece da minha visão de gente, tal qual uma nuvem branca evanescente, levemente, cada vez se tornando menos densa e subindo, diretamente, ao infinito firmamento para juntar-se ao Onipotente. Aquele senhor que, como se um espírito aos meus sentidos fosse, um “ente” (por mais incrivelmente), deixa tão somente uma brisa silente, benevolente, misteriosamente e... atrás de si... uma garota, dormente, em estado soporífero, caída em sono tépido, profundamente. Uma pequena que, ao menos hodiernamente, ao menos nessa noite quente, intrigantemente, desistiu de se lançar do 15º andar, daquela sacada em frente”.

Chico Poli
Enviado por Chico Poli em 10/05/2017
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