Conversa Com Um Anjo VI
“A dúvida não me acabrunha mais, ando sobre as águas tranquilas de um viver emocional sem grandes atropelos”, pensou Bruna enquanto lavava os talheres que havia usado para se alimentar no jantar. Gostava de rosbife, comprava semi-pronto na Casa de Quitutes da Rua das Laranjeiras, todas as quartas comia o “menu”.
Continuou seu pensar:
“Dei o melhor de mim nos relacionamentos, acredito. Posso não ter sido compreendida, ou ainda reconhecida na mulher que me apresentei. Depois de passado dias das primeiras impressões e degustações posso ter tornado ` Água morna´, `comida insossa´, inapropriada para o gosto de alguns que buscavam prato menos calórico.
Bruna suspirou: “Meu Deus!!!Quanto achismo! trabalho do meu ego, leigo nas questões da psique, com seu olhar míope busca identificar vítimas, mas o fato é que um não entrou na do outro, as almas não se permitiram misturar. E outra, sou cheia de uma variedade de condimentos que até eu, às vezes, chego a nausear; tem pimenta misturada com doce, agridoce na gordura e coisa e tal, somente eu entendo as convulsões mentais que acometo a mim mesma no regurgitar o resultado da ‘digestão destemperada’. Os homens que saíram pode ter “farejado” o chapiscar das minhas ações, tornando dispare com aquela que esperavam nos dias. Não sei ser produtora, concomitantemente aos meus destemperos, de comida que a paciência nos dias pede para que o relacionamento duradouro e saudável perdure”
Bruna mudou a ótica:
Para aqueles que abandonei, foi porque nos dias passei não sobreviver a mim mesma, criei personalidade que sobrepunha à criança que vez ou outra me visitava, ela que permitia o perdurar do “bom viver”. Não sorria mais, desisti de ouvir minhas músicas favoritas, passarinho não me encantava pela manhã ao acordar, enfadonhamente me pegava lembrando do passado que fui gente, como pão duro que depois de dias guardado era roído, nestas alturas, faminta do respirar a paz interior que precisava para viver e deixar viver. Não me aguentei, levar o relacionamento e a personalidade falseada para agradar quem merecia parceria amorosa, preferi me retirar ao invés de tornar vampira emocional, sugar a paz alheia com minha intimidade capenga.”
Bruna, depois do jantar solitário, com tantas objeções e argumentos, dirigiu-se para o quarto, deitou-se na imensa cama de casal, sempre com dois travesseiros. Deitou em um dos lados, abraçando o outro travesseiro, confessou:
“ Aqui, ao meu lado, poderia ter um coadjutor, que se afinasse com este meu mundinho louco, disposto a ganhar ou perder em prol de um projeto em comum, que me amparasse e fosse amparado nas situações difíceis, voluntariamente, consciente do meu “Eu Sou” e o dele, amigo, amante, confidente, corajoso, e que mobilizasse sem fala todos os dias ao acordar a também me tornar o que era para ser, sem esforços.” Fechou os olhos e uma gota d’àgua brotou no canto dos olhos, que escorreu devagarzinho, não chegando até a boca porque foi de pouca intensidade.
Um choro maduro, representou a essência de Bruna, pedindo o fim do diálogo interno. Não permitiria mais a autocrítica, a tentativa de identificar culpados e inocentes, forma de penitência que praticou, a levando aos desarranjos emocionais em tempos idos. Lembrou do “eu me perdoo o que fiz ao outro”, “perdoo quem me ofendeu e me machucou”. Dormiu.