O OVO MÁRTIR

Com o intuito de me divertir tentando escrever boas histórias, sempre estive disposto a conhecer as teorias que tentam explicar o surgimento da vida em todas as suas formas de manifestação. Por conta disso, não fiquei surpreso quando, em um determinado dia, vislumbrei um ovo sendo ovacionado quando tocava viola no viveiro. Como sempre faço nessas ocasiões, deixei que o imponderável prevalecesse: “Viva o ovo! ” — vibrava a sua torcida, enquanto ele agradecia com um movimento oblíquo e oval.

Tudo parecia estar sob controle para o ovo e seus convivas até que, no melhor da festa, a turma da oposição apareceu e começou a vaiá-lo, provavelmente, porque quisesse gorar o seu sucesso.

Já completamente envolvido por aquela cena, logo percebi que o ovo estrela havia ficado muito chocado com a postura dos seus opositores. Os ovos simpatizantes, porém, logo perceberam claro e objetivamente aquele iminente perigo: sabiam que o ovo estrela poderia eclodir se continuasse chocado pois, do ponto de vista de qualquer ovo, chocar significa encontrar o próprio fim. Além disso, todos os outros ovos do viveiro nunca mais iriam ter aquele ovo estrelado tocando viola, coisa que parecia gostarem muito.

Decididos, alguns ovos mais engajados reuniram-se no salão oval dos ovíparos que ficava próximo das cloacas e, ignorando o princípio da anterioridade penal, votaram às pressas uma proposta de emenda constitucional que tornava crime a vaia ao ovo estrela dada por aqueles opositores.

Imediatamente, a emenda foi aprovada por maioria simples em apenas um turno de votação e logo convertida em lei. Em seguida, todos os ovos considerados criminosos foram algemados e conduzidos à chocadeira para a sua execução sumária e coletiva. Deixariam, portanto, de ser ovos, para se tornarem algo desconhecido do seu mundo. Quem sabe, passassem a ser almas de ovos? — especulavam os sobreviventes.

Mas o mais triste dessa história, porém, foi que o ovo estrela, apesar de não ter eclodido, gorou da noite para o dia. Quando amanheceu, a sua cor já estava estranha, com tons azuis, verdes e amarelos por toda a sua casca e não mais apresentava sinais vitais.

De novo, então, o grupo dos ovos engajados resolveu intervir: trataram de instituir o Dia Nacional Do Ovo, alçaram o ovo estrela à condição de mártir eterno e adotaram aquelas cores póstumas como símbolos pátrios.

Ah! Já ia me esquecendo: deram fim ao que restou do ovo mártir que, por sinal, já estava fedendo muito, e providenciaram o seguinte slogan para justificar quaisquer questionamentos futuros por parte dos demais ovos: “ Ovo Mártir bom é Ovo Mártir desaparecido”.