O casarão
Viajando há muitas horas, e com a noite chegando resolvi procurar um lugar para pernoitar. Estava longe de meu destino. O problema é que a estrada era deserta, não se via um posto de gasolina, e nem mesmo um hotel ou pousada. Era um ponto do percurso bem isolado.
Continuei acelerando o carro em ritmo lento, na esperança de avistar um lugar onde pudesse parar e descansar, e como se alguém lesse meus pensamentos uma luz apareceu. A poucos metros dali uma estrada de terra sinalizava o caminho daquela esperançosa visão. Sai do asfalto, e dirigi alguns metros por entre uma extensa vegetação, cheias de árvores, todas floridas, com uma coloração roxa e amarela. Então uma enorme casa surgiu a minha frente. Aquelas da época das grandes fazendas, muitos quartos, e na maioria paredes caiadas de branco, e janelas azuis. Ri de satisfação em pensamento. Encostei o carro bem na entrada. Na porta da frente da casa uma argola de ferro fixada como campainha. Toquei duas vezes seguidas batendo forte. Alguns minutos de espera, e uma jovem de cabelos negros, e longos atendeu... Boa noite! Ela respondeu movendo a cabeça. Seus olhos negros brilhavam como as estrelas. Expliquei que viajava para o sul, e que estava muito cansado. Antes de concluir, um senhor, forte, e de cabelos brancos juntou-se a nós. Era o pai dela. Falei do meu destino. Terminando a explicação. Ele convidou-me para entrar, e apresentou-me sua mulher, dona Josefina, provavelmente com seus sessenta e cinco anos de idade.
Percebi nas paredes, enormes retratos emoldurados em quadros antigos. Á medida que eu caminhava dentro da casa, e para onde eu olhava, parecia que as pessoas dos retratos me seguiam com o olhar. Acredito que se tratava dos antepassados; avós, bisavós, etc. Árvore genealógica da família com certeza!
Entrei na sala, e sentamo-nos em confortáveis cadeiras de madeira almofadadas ao redor de uma grande mesa, também feita de madeira de lei e envernizada. Beleza de móveis. Ambiente amplo, típico de antigos casarões. Seu José, o pai era um homem sorridente, a mãe de cabelos enrolados e presos, parecia tímida. Ela se sentou perto de Celeste, filha, aparentando vinte e um anos de idade. Quem me recepcionou. Ela trajava um vestido branco, e muito apertado na cintura, bonito e elegante, com rendas. Parecia ter saído daquelas filmagens bem antigas. Extremamente bela, rosto e corpo de protagonista.
Puxei uma conversa trivial, há quanto tempo moram aqui, e a que distancia estávamos da cidade mais próxima, e ou de algum povoado. Desconversaram... não responderam nenhuma das minhas perguntas. Queriam sim; saber de mim. Uma curiosidade que achei exagerada. Parecia que não recebiam visitas há muito tempo. Quem eu era, onde morava, se era casado? Como era a vida nos dias de hoje? Frase que me chamou a atenção. Quase perguntei se conheciam a cidade, os shoppings, cinemas e outras coisas da vida urbana. Fiquei quieto deduzi que por algum motivo viviam isolados e continuei a responder às perguntas. A linda Celeste não tirava os olhos de mim. E se seus pais percebessem aqueles olhares, pensei. Eu não podia correr o risco de produzir nenhuma antipatia. E consegui, conversamos até altas horas da noite, serviram-me algo que não era café, e nem era bebida conhecida. Tomei um pouco para não fazer desfeita...
Ao olhar para um enorme relógio cuco de madeira que não funcionava. Lembrei-me de olhar meu relógio de pulso, e constatei que já era tarde. Para lá de meia noite. Nem precisei pedir, ofereceram-me um quarto para dormir. Detalhe que me chamou a atenção, é que eles saiam e voltavam para a mesa numa velocidade incrível Era como se não tocassem os pés no chão. Achei estranho, não paravam quietos. Revezavam-se para ir, ora para um lugar, ora para outro lugar da casa. Mas não parecia um andar normal, e sim, correndo. Eram rápidos demais... sumiam e apareciam num piscar de olhos. Parecia que estavam apressados, era como se vivessem a última noite. Confesso que fiquei incomodado. Para quebrar o silêncio, barulho de sapos e grilos, e de fundo, um coruja piava solitariamente.
Quando Celeste disse que ia arrumar o quarto, ela desafiou a lógica, foi e voltou em segundos. Rápido demais. O mesmo acontecendo com as saídas momentâneas do pai e da mãe.
Apesar do sono. Insistiram tanto que resolvi aceitar um jogo de cartas antes de dormir. Prolongamos um pouco a conversa. Amenidades, gosto e não gosto. No decorrer da partida parecia que os conhecia há séculos. Eram simpáticos e muito falantes.
Continuaram não respondendo as minhas perguntas; há quanto tempo moravam ali, de onde vieram? Desconversavam e falavam do presente. Ganhei não ganhei. O sono bateu forte, estava no meu limite. Dei boa noite a todos. Celeste me acompanhou até a porta do enorme quarto. Deu-me um beijo e disse que voltaria mais tarde. Fiquei surpreso, e ansioso.
Não consegui esperar, dormi profundamente, Sonhei. Sonhei muito. Inclusive que Celeste dormia comigo. Um filme de curta metragem muito intenso, e ardente. Muito real.
Ao amanhecer, quando o sol já havia despontado e os pássaros cantavam, levantei-me, todo suado, e sai pela casa à procura dos meus anfitriões. Soltei um bom dia, e nenhuma resposta. Aumentei o volume da voz e obtive novamente o silêncio... caminhei até a cozinha e levei um susto, não tinha ninguém, e também não tinha nada; fogão, panelas, copos, utensílios, coisas básicas. Seguramente aquela área da casa não era usada há séculos. Fiquei sem saber o que pensar. Voltei para a sala, como não tinha ninguém fui até o carro. Ele estava no lugar, que bom, pensei! Voltei para dentro do antigo casarão e quase gritando disse olá, alguém acordado? Nenhuma resposta. Resolvi olhar nos quartos para me certificar se dormiam. Levei um susto, os quartos estavam com os móveis cobertos com lençóis brancos, e cobertos de pó. Cena típica de casa mobiliada e abandonada há tempo.
Misteriosamente não havia ninguém em nenhum dos outros quartos. Soltei a garganta, e gritei. O silêncio novamente foi a resposta.
Sem entender nada, e muito assustado resolvi dar uma volta, pelos arredores da casa. Caminhei até os fundos. Lá encontrei o que parecia ser um cemitério. Vários túmulos e com o mato tomando conta. Olhei e vi que as três primeiras lápides tinham os nomes dos meus anfitriões: Sr. José, Dona Josefina, e Celeste, todas datadas do ano de mil novecentos e dezessete, ou seja, datados de cem anos atrás. O medo correu solto por todo meu corpo. Fiquei apavorado. Morreram os três juntos? O que teria acontecido... E do lado delas uma nova cova aberta (nova), pronta para ser usada. Suei frio. Corri. Entrei no carro com o coração acelerado. Na saída, ainda vi uma placa na frente deste imóvel. Vende-se. Pisei fundo e parti...
jaeder wiler