CONVERSA DE RESTAURANTE
Sábado à noite, para um casal sem filhos, sempre é oportunidade para dar uma saída, frequentar um barzinho, uma lanchonete ou, até mesmo, dar uma chegada num restaurante tipo rodízio para beliscar uns sushizinhos e outras delícias da área.
Foi exatamente isso que estava acontecendo com Lucas e Dininha. Os dois estavam, felizes da vida, experimentando sabores, quando começaram a ouvir a conversa de quatro senhores que ocupavam uma das mesas contíguas. Esse não era costume de nenhum dos dois, mas a proximidade praticamente os obrigava a escutar o que diziam os homens. A conversa ia, mais ou menos, no seguinte sentido:
-- Prado! Você já prestou atenção ao que está acontecendo com o dinheiro?
-- Em que sentido? Retrucou o amigo?
-- Você já reparou que quase ninguém anda, mais, com dinheiro no bolso? Já observou como as transações são, quase todas, feitas através dos cartões magnéticos?
-- Sim! Eu mesmo faço isso! Não estou aqui para dar moleza a trombadinhas, assaltantes ou coisas do gênero. O cartão é sempre melhor pela segurança e pela praticidade!
-- Bem! Interferiu um terceiro do grupo: Eu quase não uso dinheiro vivo e nem cheques! Tudo isso já era! Minhas transações são através da Internet! Boletos, transferências, agendamentos, pagamentos de despesas, impostos, aluguel, tudo! Resolvo minhas pendências sem amolação de filas, porta giratória, senhas, segurança olhando para minha cara achando que sou marginal potencial e os cambaus!
-- Pois é! A tecnologia deu uma guinada homérica nas relações bancárias com os clientes. O emprego da Internet reduziu consideravelmente a necessidade de funcionários, de modo a induzir reformulações internas de grande monta. Nesses últimos dias temos visto o fechamento de grande número de agências e um não sei quanto de servidores que ficaram desempregados.
Fernando, o quarto ocupante da mesa, entrou na conversa:
-- É isso mesmo, cara! Minha irmã mora em uma cidade pequena, no interior. Por lá andaram assaltando as agências bancárias do único banco a atender aquelas populações, de modo que ficaram, todos, a ver navios. Para qualquer operação, agora, precisam se deslocar para cidades mais populosas, a quilômetros de distância, para poder solucionar suas necessidades financeiras.
Sabe de uma coisa? Tenho pensado nessa história e desconfio que devem estar armando uma tremenda complicação que deverá estourar dentro em breve! A impressão que tenho é de que o sistema esteja se preparando para uma guinada de cento e oitenta graus.
-- Como assim?
-- Um dia desses, precisei retirar uma importância da minha “poupança”. Por mais absurdo que possa parecer, acredite! Fui impedido de sacar o que precisava. Fui informado pelo caixa que somente poderia sacar uma quarta parte do que pretendia e, se desejasse poderia “agendar” novo saque para outra data e, nesse caso, levantaria o montante desejado!
Fui para casa danado da vida por não admitir que o sistema bancário, seja lá o motivo que tiver, impedir-me de sacar, da minha conta, o meu dinheiro, no momento em que assim desejar! Afinal acho que tive um pontapé no saco da minha liberdade, por uma decisão unilateral de organização que não leva em conta esse direito individual. Aos poucos estamos sendo reduzidos a pó e não há quem faça regredir tal disparate!
-- É! Isso é verdade! Também já aconteceu comigo! Mas, penso que vem mais coisa por aí! Aos poucos os bancos vão eliminando o contato pessoal do cliente com seus servidores. Quase tudo, agora, é virtual e somos obrigados a nos submeter a essas decisões administrativas que visam restringir despesas e aumentar a lucratividade das organizações, não importando os prejuízos e aborrecimentos, tanto ao cliente quanto aos servidores despedidos...
Nos informativos e documentos que nos enviam, estão presentes números de telefones prontos para atender e solucionar as dificuldades dos correntistas. No entanto, quando se procura essa alternativa, quem nos atende é um computador com um roteiro gravado determinando o pressionamento de números para essa ou aquela solicitação. É uma situação desagradável você ser impedido ou dificultado de falar com um ser humano para ser dirigido por uma gravação de computador. Essa operação é um verdadeiro calvário que exaspera a indignação...
-- É verdade, cara! Computadores e caixas eletrônicas não requerem salários, não implicam em obrigações trabalhistas, não entram em férias, não faltam ao trabalho, não ficam doentes, não desperdiçam material, não são afetadas por humores e não enchem o saco da hierarquia! Isso resulta em grana que não sai. Logo, se não sai, vai para o cofre, Né?
Pois é, Juca! Juntando alhos e bugalhos, ainda há os crescentes assaltos à agências bancárias o que alimenta o processo de modificação da composição atual. Pelo que podemos sentir, a quantidade de agências vai sendo eliminada, lentamente, o pessoal de frente demitido em razão da tecnologia entrante e, logo veremos o golpe fatal! O desaparecimento do dinheiro vivo!
-- O quê? Você acha que vão acabar com o dinheiro, com o papel-moeda? Pode até ser, mas não será para hoje e nem para amanhã! Bota tempo nisso!
-- Você tem razão! Haverá, sim, um tempo para a transição. No entanto, as coisas já não são como há alguns anos atrás. Além disso, as mudanças que, antes eram internas, agora são visíveis e palpáveis. Tal como o caso do “agendamento” para as retiradas maiores do que o valor internamente arbitrado ao aplicador!
-- Quando eu era criança, lembro-me que meu tio era “proprietário de um banco”, sob o regime de “Cia. Limitada”. O banco tinha o nome dele e não havia sócios. Naquela época, havia uma disputa renhida pelos clientes e os bancos se batiam na propaganda, oferecendo, veja você, juros para quem abrisse conta em suas agências.
A briga era, exatamente, na porcentagem de juros oferecida! Quem oferecesse mais juros ganhava a clientela. Além disso, nada de taxas disso ou daquilo entravam no processo.
Hoje, tudo isso já era! Você, paga para manter uma conta bancária, uma série de taxas anexas, o seu dinheiro é aplicado, a organização embolsa os rendimentos e você fica chupando os dedos! Pode? Tudo isso aconteceu, lentamente, sem que ninguém esboçasse qualquer tipo de esperneio. O sistema cuida de si. Os outros que se cuidem...
Então, com a racionalização tecnológica do sistema, em breve o papel e as moedinhas tilintantes estarão devidamente mumificadas em seus sarcófagos. Todas as operações financeiras, no futuro, passarão a ser realizadas “unicamente através de bits”. Uma das possibilidades é a criação de um cartão magnético que será empregado tanto para acumular valores quanto para transferi-los.
-- Caraca! Então você acha que poderemos ter um cartão em que, virtualmente, será depositado meu salário em bits? Terei uma conta bancária, de onde poderei saldar minhas despesas em qualquer caixa de loja comercial, tudo isso em bits?
-- Sim! Exatamente! Veja que isso já está quase com o ciclo concretizado! Seu salário não é depositado em bits, em uma conta bancária? Você não faz suas compras através do emprego do cartão magnético? A única diferença é que, ainda, você pode transacionar com dinheiro vivo; pode retirá-lo nos caixas, com seu cartão, e pagar o que desejar. O que imagino é que esse recurso logo será extinto! Simplesmente não haverá mais papel moeda em circulação! O pouco que ainda existe deixará de circular! Tudo será através de bits! Muito pouca gente usa cheques, hoje!
-- Tens razão! Se todo mundo, resolver fechar suas contas, os bancos não teriam papel moeda para atender os saques! O que mais tem, em caixa, é dinheiro virtual! Putz!
A conversa ainda estava em desenvolvimento quando Lucas, olhando o relógio lembrou à mulher que estava quase no horário da luta do Anderson Silva na TV a Cabo e não poderia perder. Estava seguro de que “o spider” ganharia mais essa, após quatro anos de derrotas no octógono.
Com seu cartão, dirigiu-se ao caixa, acertou a despesa e saiu em em direção à casa. No caminho, trocaram impressões sobre o que ouviram no restaurante. Enquanto Lucas, lá no quarto, trocava de roupas, Dininha, aproveitando a meia hora disponível antes do início da luta, tratou de ligar seu computador.
Não se sabe se por ironia do destino ou por alguma interferência mediúnica, seu computador abriu na página que ostentava o seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=6lwZI6ll3xs
Mozinhôôôôô! Corre aqui! Vem ver o que apareceu no computador! Parece que estão preparando “um chip” para substituir os cartões magnéticos! Não é que aquela conversa faz sentido?
Atordoados, os dois, se perderam na pesquisa dos diversos títulos do link tratando do “Projeto Mondex”. Sem perceber, perderam a oportunidade de assistir a vitória do “Spider”. Wanderley Silva venceu a luta e recuperou sua imagem junto aos aficionados do UFC.
Amelius – 12/02/2017