O mundo dos vagões
O MUNDO DOS VAGÕES
Miguel Carqueija
(dedicado a Jorge Luís Borges)
Saindo de meu compartimento fui caminhando pelo corredor escuro, entre os cortinados, buscando apoio nas balaustradas verticais de pórfiro naquela luz penumbrenta. O som surdo das rodas do trem nos dormentes era um tanto sonífero, e até um tanto filosófico, a lembrar a constância da eternidade, do nunca-acaba...
Pelas divisões sanfonadas fui passando para os vagões seguintes, os três da frente também eram residenciais mas o quarto e o quinto eram áreas de alimentação, com maior largura. Sempre havia atendimento noturno e a minha esmagadora solidão levava-me com freqüência a buscar um desses lugares para distrair um pouco aquela sufocante angústia que me acompanhava como uma sombra.
Naquela noite ultrapassei o Gottardo’s e passei ao restaurante seguinte, o Brinco. Haveria outro mais adiante, além dos vagões administrativos e de lazer, mas não me sentia disposto a caminhar muito.
Havia apenas uma mulher, numa das mesas, olhando o cardápio. Com freqüência não se achava ninguém, àquela hora da madrugada. Era loura e magra, e eu não a conhecia. Aproximei-me de sua mesa:
- Posso lhe fazer companhia?
- À vontade. Se achar interessante...
Ela já havia digitado o pedido e um tira-gosto e um vinho, e o robô já se aproximava para atendê-la. Um pouco surpreso, eu respondi:
- Por que diz isso?
- A minha companhia não deve ser muito interessante, pois estou sozinha até hoje...
- Nunca a tinha visto antes...
- Eu mudei do meu vagão, a cem quilômetros daqui... por razões de trabalho...
- O que você disse ainda agora não é muito lisonjeiro para mim, afinal eu também estou sozinho... será que ficamos os dois sozinhos por não sermos interessantes?
Ela sorriu:
- Talvez não seja por isso. Vamos nos conhecer mais para saber ao certo. O que você vai pedir?
O MUNDO DOS VAGÕES
Miguel Carqueija
(dedicado a Jorge Luís Borges)
Saindo de meu compartimento fui caminhando pelo corredor escuro, entre os cortinados, buscando apoio nas balaustradas verticais de pórfiro naquela luz penumbrenta. O som surdo das rodas do trem nos dormentes era um tanto sonífero, e até um tanto filosófico, a lembrar a constância da eternidade, do nunca-acaba...
Pelas divisões sanfonadas fui passando para os vagões seguintes, os três da frente também eram residenciais mas o quarto e o quinto eram áreas de alimentação, com maior largura. Sempre havia atendimento noturno e a minha esmagadora solidão levava-me com freqüência a buscar um desses lugares para distrair um pouco aquela sufocante angústia que me acompanhava como uma sombra.
Naquela noite ultrapassei o Gottardo’s e passei ao restaurante seguinte, o Brinco. Haveria outro mais adiante, além dos vagões administrativos e de lazer, mas não me sentia disposto a caminhar muito.
Havia apenas uma mulher, numa das mesas, olhando o cardápio. Com freqüência não se achava ninguém, àquela hora da madrugada. Era loura e magra, e eu não a conhecia. Aproximei-me de sua mesa:
- Posso lhe fazer companhia?
- À vontade. Se achar interessante...
Ela já havia digitado o pedido e um tira-gosto e um vinho, e o robô já se aproximava para atendê-la. Um pouco surpreso, eu respondi:
- Por que diz isso?
- A minha companhia não deve ser muito interessante, pois estou sozinha até hoje...
- Nunca a tinha visto antes...
- Eu mudei do meu vagão, a cem quilômetros daqui... por razões de trabalho...
- O que você disse ainda agora não é muito lisonjeiro para mim, afinal eu também estou sozinho... será que ficamos os dois sozinhos por não sermos interessantes?
Ela sorriu:
- Talvez não seja por isso. Vamos nos conhecer mais para saber ao certo. O que você vai pedir?