CONTO OU NÃO CONTO
Era uma vez um conto que desejava ser reconhecido como grande obra literária e que, exatamente por isso, estava em crise existencial, pois não se contentava em pertencer apenas ao campo das ideias.
Fica mais claro dizer que ele nunca fora escrito, nem sequer esboçado em um desses guardanapos de papel que são encontrados nas mesas dos bares noturnos que, de repente, depois de alguns tragos, alguém pega, avalia a possibilidade e, numa atitude irresponsável ou não — isso não importa nessas ocasiões —, tasca ali um credo ou revela uma conspiração antiga e, milagrosamente, acaba articulando as bases de um novo tratado literário.
Avaliava, portanto, que ser posto no papel seria requisito preliminar de qualquer texto que aspirasse existir como obra literária e que, definitivamente, apesar de possuir um corpo ideológico, representado por uma narrativa já definida conforme as leis do universo, faltava-lhe ter um corpo físico.
Assim, apesar de saber de cor todas as convenções e arbítrios da vida terrena, vinha há um tempinho remoendo uma antiga citação do jargão jurídico da humanidade que diz que “ O que não está nos autos, não está no mundo jurídico. ”. Isso deixava cada vez mais claro para ele a sua condição existencial meramente marginal. Estava certo de que, sim, era um conto; quanto a isso, não tinha dúvidas! Mas, certamente, sendo ao mesmo tempo, um não conto, uma grande negação, um... um... um desconto.
O conto, finalmente, chorou. Chorou lágrimas que não molham. Chorou para dentro de si, para dentro do próprio cosmos, de toda a estrutura universal, da ordem, da harmonia, da organização, da beleza. Chorou anos a fio, séculos, milênios.
Com o passar do tempo, o seu choro sentido de lágrimas que não molham foi se transformando em uma pequena vibração, transformando-se, em seguida, em energia.
Os cientistas teorizam que a energia, em uma determinada aceleração, produz a forma física. Coincidência ou não, o nosso conto em questão finalmente acabou sendo escrito em papel... por um ghost writer.