Mi Mi Mi

Você está sentado na sala de espera do consultório médico com o ar condicionado congelando emoções e várias pessoas à sua volta conversando em um inaudível mi mi mi. Isso o faz divagar, abstraindo esse ambiente asséptico.

Que tal aproveitar e pensar, então, na grandiosidade do desafio ao qual você se impôs recentemente: tentar coçar o ouvido esquerdo com o cotovelo direito? Um leve meneio de cabeça, combinado com um meio sorriso pra ninguém, revela que você está dentro, que topou a própria parada.

A despeito da discreta perplexidade dos outros pacientes, você inicia o seu empreendimento, aquecendo preliminarmente os quadris com um movimento frenético e repetitivo que poderia lembrar o próprio Elvis Presley... se ele fosse paraplégico.

Nesse ínterim contorcional, você se desconcentra ao perceber uma velhinha bem magrinha que está de pé ao seu lado. Resignado, você resolve levantar para lhe oferecer o lugar, mas ela recusa, dizendo que tem uma saúde de ferro, que foi atleta na juventude e... — você tenta interrompê-la, pois a velhinha fala muito alto e isso agora o está constrangendo: — perdão, senhora... — eu já fui contorcionista! — ela insiste.

Nesse caso, você resolve apelar: valendo-se de um tom debochado e desafiador, vai logo perguntando se ela já tentou coçar o ouvido esquerdo com o cotovelo direito.

A velhinha finalmente senta, dá um breve suspiro e, com os olhos fitando um passado hipotético, fala com a voz embargada: —Ah, claro, fiz isso inúmeras vezes... mas todos começam assim, meu filho! Veja só o meu caso agora: apesar de sadia, estou hoje aqui pra ver se o psiquiatra passa um remedinho pra eu dormir, pois, de uns tempos pra cá, só tenho conseguido depois que coço o ouvido usando os dois cotovelos ao mesmo tempo.