Pequeninos
Acordou com pessoas falando ao seu ouvido direito. Não entendia nada, parecia tudo um sussurro leve. Sentiu os olhos grudados pela areia de Morfeu. Limpou bem os olhos antes de abri-los. Quando o fez, nada de diferente. Os móveis estavam ali, as roupas estavam onde sempre ficavam antes de despir-se para dormir. Ao baixar novamente a cabeça ouviu novamente aqueles sons que o fizeram acordar. “Algo no travesseiro”, pensou. Ergueu a cabeça e ali uma mancha pequena. O estranho fato é que a mancha escura se mexia. Limpou os olhos embaçados, devia haver alguma sujeira ali. Pegou os óculos em sua cabeceira, ao colocar viu que não era uma mancha e sim duas pessoas.
– Ei! – disse, animado, o rapaz cumprimentando.
As duas pessoas, que na verdade eram um casal adulto, tamparam os ouvidos com o barulho vindo de seu cumprimento. Alberto, imediatamente, levou a mão à boca. Diferente dos quadrinhos e filmes de fantasia, concluiu, o som era proporcional à sua origem. Por isso os sons dos pequeninos era como um sussurro para ele e o dele fizera os tampar os ouvidos pela altura. Logo, colocou uma mão de cada lado deles e abaixou a cabeça para enxerga-los melhor. Com o peso de suas mãos forçando para baixo, o travesseiro se mexeu tanto que o pequenino homem caiu de bunda.
Adalberto, olhava com um sorriso curioso a cena, sempre fora desastrado, mas era a primeira vez que derrubara alguém a se apoiar em um travesseiro. Nunca vira gente tão pequena. O homenzinho, levantando-se, xingava o menino. Apesar de não conseguir ouvi-lo, Adalberto sabia que ele estava bravo. Tentou desculpar-se, a primeira palavra fez com que os dois voltassem as mãos aos seus ouvidos e rolassem no chão-travesseiro. O menino olhou para o quarto por um tempo e logo levantou-se para buscar um caderno na escrivaninha. No segundo passo tropeçou na camiseta do dia anterior. Olhou, ainda distraído, para a roupa no chão e ali viu também sua calça e cueca.
O momento mais vergonhoso na vida do menino de dezessete anos acontecera ali. Notou que estava nu. Afinal, era assim que dormia. Notou ainda que tinha duas pessoas no quarto. Pessoas no mínimo, vinte vezes menor que ele, a quem ele parecia um gigante pela própria natureza. Virou-se instintivamente para a cama, não queria que vissem sua bunda. As duas mãos cobriram seu órgão genital enquanto ele empurrava, com o pé, a roupa para fora do quarto.
Voltou para o quarto, já vestido, pegando o caderno e uma caneta. Olhou para o travesseiro e os convidados ainda estavam lá. Sentou-se, tentando não derrubá-los novamente. Conseguiu. Com a caneta escreveu “olá, conseguem ler?”. Virou o caderno para seus convidados que olhavam para a grande folha. Eles começaram, então, a falar. O menino apontou para seus ouvidos como quem diz “não consigo ouvi-los”. Ofereceu caderno e caneta ao casal. Foi quando viu que o homem novamente estava irritado, agitando os braços. Por fim, entendeu, o pequenino apenas estava mostrando que não conseguiria pegar a caneta, uma vez que ele não devia medir nem um centímetro.
Pegando o caderno em mãos, escreveu “se estiverem entendendo, pulem!”. Virou o caderno e o casal começou a pular ansioso.
– Beleza – disse o garoto, tampando a boca tão rápido quanto os colegas tampavam os ouvidos.
– Desculpa, escreveu.
Afinal, arranjara uma forma de se comunicarem. As respostas teriam que ser afirmativas, todas escritas. Buscando algo mais, olhou ao seu redor no quarto. Foi quando algo o tocou a mente.
– Vocês são uma fantasia da minha mente, alguma entidade espiritual ou seres ocultos?
Viu que o homem parecia irritado e a pequenina o puxou. Ambos conversaram e, olhando Adalberto, sentaram-se. “Não”, foi o que o jovem entendeu.
– Então são humanos? – o casal voltou a pular.
Não adiantaria perguntar como tinham ficado tão pequeno. Em verdade, não sabia como poderia construir as assertivas para chegar à uma resposta útil. Não sabia nem como o casal havia chegado até seu travesseiro. Olhou a janela aberta e perguntou:
– Vieram pela janela? – mais uma vez pularam. O menino riu deles pulando. Olhando para o caderno pensava no que fazer. Morava sozinho em uma kitnet. Era bancado por seu pai que, de uma cidade do interior, havia o enviado para fazer a graduação em uma Universidade Pública, na cidade grande.
– Meu nome é Adalberto. Sinceramente não tenho ideia do que fazer com vocês. Não vejo uma forma de me explicarem o que ocorreu. Portanto, pensei em levar vocês para a Universidade onde estudo. Lá há aparelhos que podem ajudar a nos comunicarmos, talvez até a resolver o problema de vocês. Se toparem, vou apenas pegar minhas coisas e já vamos. Pode ser?
Ao ver que o casal pulava, balançou a cabeça e foi procurar suas coisas. Ao se levantar, notou que a chave estava na porta. Procurou a carteira e logo encontrou-a na escrivaninha. Faltava o celular e podia ir. Olhou na cozinha-sala, no banheiro, nada. Só restava o quarto. O carregador estava na tomada, mas não conectado ao aparelho. A busca foi cansando Adalberto que passou a jogar livros, cadernos e lençóis. Jogando o travesseiro para o lado exclamou:
– Finalmente!
Antes mesmo de terminar a frase lembrou-se dos convidados tampando a boca. Uma sensação congelante subiu sua espinha. Foram três segundos intermináveis entre olhar seu único travesseiro jogado ao seu lado e descobrir duas novas manchas vermelhas que passavam a escorrer por sua parede branca.
Sentou-se e chorou. Nada sobrara daqueles dois pequeninos. Nunca contou a história a ninguém, todavia, dali em diante passou a não mais sair de casa. Acabou voltando para a casa de seus pais onde viveu o resto de sua vida sem deixar o quarto. Os médicos avaliaram o rapaz com agorafobia, um medo de locais públicos. No entanto, seu único medo era pisar em alguém.