SANCTUM SANCTORUM
De luz entra um bloco pela janela parcialmente aberta. Estou acordado não sei desde quando. Ainda era noite quando abri os olhos saí de um sonho já perdido completamente desperto. Digo sonho na esperança de poder atrair um só que seja para dentro de minhas pálpebras mas não os tenho nunca. Acredito na maravilha. Ouço os relatos com inveja. Não inveja. Não a inveja de Tomas de Aquino. Não sinto tristeza por saber que os outros navegam sobre aguas lilases e descobrem a China como um Marco Polo num casaco Adidas. Não. Não tristeza inveja mesmo. Fico feliz bato palmas. Fico feliz quando você sobrevoa a floresta de Sherwood. Quando vai a Jerusalém matar mouros e cavalga o sol com calças vermelhas eu choro com a maravilha de imaginá-lo. Não tristeza alegria eu gostaria de estar sobre seus ombros.
Eu grito eu grito Jesus Cristo! Grito para uma parede branca e nem são sete horas. Rasgo a pele sob os olhos com as unhas roídas e a parede não se move. Ela é uma força inamovível da natureza e os joules que projeto da garganta e que me custam três ou quatro cordas de nada servem contra o mundo. Eu ouço o barulho dos sapatos salto alto das mulheres de bolsa e homens de pasta que passam lá embaixo na rua toc-toc-toc-toc-há-há-há-há é a humanidade um palco de comediantes em uma noite de roast e eu objeto de graça. Oito e meia e eu choro de vergonha. As bênçãos de Javé caem sobre minha cabeça em forma de silencio. Ninguém me ouvir é a prova que Deus me dá de sua mão-edredom sobre mim.
Mas hoje não é um dia desses. Hoje é um dia que estou vivo não creio que seja sempre assim. Os dias passam sob um lençol sem estardalhaço. Eu até levanto da cama as vezes! Levanto mesmo! Eu ouso vou à sala. A sala é meu quintal eu sento no canto e ligo a tevê. Mas hoje quando eu saio do quarto e vejo a sala do meu apartamento é como se ela fosse uma novidade. Raspo a carne vermelha sob as unhas com indiferença como tiro remelas dos olhos ainda pesados. Nunca sonho e não durmo realmente. Meu corpo é uma cela 80cmx80cm e eu nunca descanso. Eu não sei o que é adormecer. Desmaio uma vez a cada dois dias e não sinto prazer algum nisso. Mas a culpa é minha não se sinta responsável. Minha mãe tenho a impressão que as vezes se sente responsável. E eu a culpo ela deveria saber descoberto a muito tempo. Mas não a acuso. Poupo-a de qualquer rancor. Fiz dezoito anos e perante a sociedade de terno pasta bolsa salto alto sou um homem responsável por minhas ações. O rifle apoiado sob a janela é culpa minha.
Eu achei uma daquelas cadeiras de escritório ou de bordel talvez. Não importa eu acho. Peguei ela numa caçamba amarela aqui perto foi um dia que eu saí olha isso eu saí. Olhei da janela do quintal e vi a cadeira lá embaixo entre tijolos vermelhos pedaços multicoloridos de concreto e duas ripas de madeira estava a cadeira. Banco? Banco tem três ou quatro pernas e nenhum encosto. É um banco. Cadeira tem quatro pernas e encosto. Banco não tem encosto é um banco.
Eu sentado no banco olho pela mira do rifle. Tenho certeza que existe um nome técnico para o cano com lentes da mira. Qualquercoisa-oscópio imagino deve ser algo assim. As pessoas passam pelo vidro com uma cruz preta desenhada passam a caminho do trabalho mercado casa do sobrinho as pessoas se tornam imagens na minha memoria e não passam disso. Imagino se elas existem fora da minha cabeça ou se são como todas as outras imagens que eu crio. Eu gostaria de ser diferente de vê-las como pessoas completas complexas depositárias da graça de Deus como eu mas elas não elas vapor de agua que queima meu dedo. São figuras como as do espelho ou as que rabisco ao telefone. Eu imagino elas dançando as vezes e isso é como se eu pudesse sonhar mas eu não posso sonhar não posso sonhar elas as vezes estão dançando e eu não posso eu não faço isso por crueldade ou ódio as pessoas não são porcos. Nem os porcos são porcos. Eu preciso ser misericordioso e espalhar a misericórdia. Removê-las da vista da janela e do mundo não com raiva mas piedade. É só um trabalho não as quero mal é minha responsabilidade. Elas são lindas! Mas o mundo não pode com tanta gente tanto sonho sono bolsa paletó.
Eu sigo meus olhos. Eles são outro e não eu os mataria primeiro se pudesse. Evitaria assim essa tragédia de ver. São mais rápido que eu meus olhos sigo-os como um caçador. Meu corpo é outro e é por isso que eu não danço. É meu dedo que brinca com o gatilho. Um dois três caem antes que percebam que alguém está a pô-los abaixo. Elas correm como baratas quando a gente puxa a tampa do ralo eu gostaria de não gostar de fazer. As pessoas têm o direito de viver como as baratas e os porcos que também são animais lindos.
As ondas sonoras das sirenes vermelhas-azuis sob o efeito doopler contraem-se. Agudo-agudo-aqui-grave passaram. Eu não me preocupo. A Policia Einsatzgruppen persegue só os malfeitores eu sou eu queria ser a parede inamovível. Eu sigo Deus. A voz de Deus não como se eu fosse louco não ouço vozes como se fosse louco. Eu ouço as minhas vozes você não? Tem gente que houve a voz dos outros tem gente que é louca eu não sou Deus entende? Isso seria loucura e pecado não sou eu. De Deus as vozes são todas minhas as que eu ouço elas são todas eu. E as suas?
Com o rifle veio uma caixinha de papelão um pouco gasta. Como pode ser essa caixinha de papelão gasta? Não é possível usar de novo a bala de chumbo que veio dentro disparada. Por que a caixinha está gasta e rota velha usada? É como Stonehenge eu acho ou como a musica pop de Berlin. Um mistério. Esses mistérios são o quê sobrou da revolução cientifica do século XVI. XV XVI ou XVII não importa a revolução que acabou com o mundo de Zoroastro. Lá na Pérsia eles tinham segredos. Não era como o mundo da tevê que tem sempre um especialista simpático com boas palavras Descartes para explicar. O mundo de Zoroastro era como a musica pop de Berlin. O Leste é um mistério não é? Eu nunca entendi se a Indochina é um lugar real ou se é a cidade vizinha de Shangri-La pegando a estrada da serpente logo depois de Croatã é ali o Leste.
Firmo o olho direito no qualquercoisa-oscópio. Preciso continuar. Paro um segundo para rir imaginar que algum amigo loiro com sotaque do interior pudesse ter colocado graxa na mira e meu olho ia ficar sujo e eu pareceria o cachorro d’Os Batutinhas. É engraçado o riso é a prova de Deus mas preciso continuar. O tempo é assim sempre andando praticando para uma maratona acelera no final.
Olho no coisoscópio. Quatro cinco seis sete as pessoas começam a desaparecer não tem oito! Pisco rápido esfrego a mão no olho aperto e dói eu olho e vejo a pessoa que some no ar como mágica as pessoas são mágicas! Elas somem no ar antes de eu ou o dedo apertar o gatilho. Não consigo entender se eu fosse louco seria isso mas não é o caso. Elas estavam ali agora mesmo elas estavam correndo como baratas e a sirene vermelhazul passou efeito doopler e estava todo mundo na mira. Elas estão sumindo! Eu não sabia que as pessoas eram mágicas como eu poderia saber? Elas não dizem nada elas nunca dizem. Não pode ser Deus não disse nada. É a magia. Elas evaporam todas sempre que eu olho. O coisoscópio não tem defeito é o mundo as pessoas pasta salto alto.
Pessoas magia negra. Eu não saio nunca devo. Eu gostava do quintal quando conseguia vir aqui tem mais espaço mas as pessoas são mágicas e se elas vissem meu quintal? Elas viram viraram viram meu quintal. Vou para a cama mas não durmo nunca posso mas aqui a vida é calma lá eu tenho medo das pessoas elas são mágicas pessoas da cidade da fila magia negra do banco e lotérica. Salto alto pessoa pasta paletó no meu quintal pessoa mágica no meu quintal. Lá fora as pessoas são mágicas lá eu tenho medo são pessoas magia negra.