Décimo Terceiro Andar
“Era uma vez um homem que gostava de subir escadas...”, assim começava a história que ouvi há três ou quatro anos.
Nada hei de juntar ou cortar, farei o relato nos próprios termos com que a narrativa chegou aos meus ouvidos. Por conseguinte, não devo ser louvado ou tampouco censurado senão quanto ao bom ou mau gosto por tê-la selecionada para contar.
Quem me contou não soube informar a época e a cidade em que viveu ou vive o “homem que subia escadas”, tampouco se a narrativa havia sido inspirada em fatos reais ou não.
Em minha opinião não importa onde e quando viveu o protagonista, se os fatos narrados são críveis ou incríveis, o importante é se eles despertam ou não a curiosidade de quem ouve ou lê. Quando ouvi, eu gostei.
Chamou-me atenção às atividades, do dia a dia, desse estranho personagem que passava o dia subindo e descendo escadas. Espero que você também goste.
Agora, vamos à história...
Era uma vez um homem que gostava de subir escadas, Luiz Felipe era o seu nome, mas todos, inclusive seus familiares, o chamavam de “Serioga”.
Aos 53 anos de idade ele já estava aposentado, mas continuava trabalhando e praticando diariamente, por voltas das quatro e trinta da manhã, uma corrida de 12 quilômetros no calçadão.
Nessa época, Luiz Felipe morava no décimo terceiro andar de um prédio próximo à praia. E quando terminava de correr, para manter o preparo físico, não utilizava o elevador, subia da garagem, no subsolo, até o seu apartamento correndo pela escadaria do edifício.
Quando amanhecia chovendo, para evitar o risco de escorregar no piso encharcado e o desconforto da camiseta molhada junto ao corpo, Serioga não corria no calçadão da praia. E como não era adepto à academia, seguia para o trabalho sem praticar exercício. Era para ele como começar o dia sem escovar os dentes.
Certa vez teve uma brilhante ideia: quando “São Pedro” não o permitisse correr na praia, subiria e desceria, durante uma hora, o mesmo tempo dedicado à corrida, os 14 andares que separavam a garagem do seu apartamento. Foi assim que tudo começou...
Com o tempo, Serioga passou a gostar do seu treino alternativo. Torcia para amanhecer chovendo. Criou o hábito de contar o número de vezes que, durante uma jornada, conseguia subir e descer a escadaria.
Depois adotou a rotina de um dia por semana, com chuva ou sem chuva, não mais treinar na praia e sim nas escadas do prédio.
Quando chegou à marca de subir os andares sete vezes, percebeu que precisava de um método prático para contar, pois devido ao cansaço e as repetições não tinha mais certeza na sua contagem mental. Pensou e teve outra brilhante ideia: Levaria um punhado de moedas na mão esquerda e a cada vez que completasse um percurso passaria uma moeda para mão direita. E assim deu continuidade à atividade de subir e descer escadas, utilizando moedas para contabilizar o número de vezes que chegava ao décimo terceiro andar.
Para que o leitor possa realmente entender como tudo aconteceu, é preciso citar uma atividade desenvolvida por Luiz Felipe, que nada tem a ver com exercícios físicos, mas que contribuiu para torná-lo, digamos, um “subidor” de escadas. Desde jovem, ele lê dois ou três romances por mês e faz anotações nas páginas iniciais, ressaltando pontos importantes, sob o título: “O que li e o que escrevi”.
Todos sabem que enquanto caminhamos ou realizamos uma atividade de certo modo descontraída, o pensamento “voa”. Mas o de Serioga não voava. À medida que subia e descia os degraus, a sua mente ficava concentrada em suas anotações nos livros. Foi assim que ele teve outras brilhantes ideias:
Levaria no bolso do short ou da calça um caderninho de anotações com uma pequena caneta. Assim poderia rascunhar, enquanto avançava andar por andar, o desfecho de alguns textos que já havia escrito. Nas primeiras vezes, para anotar parava em um degrau. Depois ficou com tanta prática que escrevia andando, ou melhor, subindo as escadas.
Outra ideia foi a de substituir as moedas por um contador manual de dois dígitos, do tipo muito utilizado para contar pessoas que entram em um determinado recinto. Antes de abandonar o método de contagem inicial, chegou a portar na mão direita 25 moedas.
Para registrar o total de percursos, uma subida e uma descida, realizado em uma determinada jornada, Serioga passou a utilizar uma tabela simples, com a data e o total de vezes que chegava ao décimo terceiro andar. A tabela e os dados eram cuidadosamente manuscritos em uma caderneta que ele muito gostava, pois a tinha ganhado de presente de um amigo, que durante uma viagem à Portugal a comprara na Universidade de Coimbra.
Depois de certo tempo, o nosso personagem foi se adaptando às subidas e descidas e paulatinamente trocando o calçadão da praia pela escada do prédio. Não mais corria nos degraus, subia caminhando.
Aos 55 anos, ainda trabalhando, não mais treinava na praia. Continuava acordando cedo e se exercitando nas escadas, fazendo suas anotações no caderninho e concluindo seus textos. Nessa época, em cada jornada ele chegava cerca de 35 vezes no hall do seu apartamento.
O Caro leitor tem uma ideia da quantidade de degraus existentes em quatorze andares?
Na época que ouvi a história, fiquei curioso e fui verificar. Subi e contei 235 degraus. Para 35 percursos, em uma jornada, dá um total de 490 andares e 8.225 degraus. Realmente é preciso gostar de subir escadas.
A minha curiosidade foi um pouco mais longe. Fiz, com ajuda do Google, umas rápidas comparações:
A escadaria da Igreja Nossa Senhora da Penha de França, erguida no alto de uma pedra, popularmente conhecida como Igreja da Penha, no Rio de Janeiro, possui 382 degraus. O nosso protagonista, em cada jornada, subia o equivalente a 21 escadarias dessa igreja.
Um dos edifícios mais altos do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai, possui 163 andares. Serioga estava subindo um total de andares, em cada treino, equivalente a subir três vezes esse edifício.
Um pouco antes de se tornar um sexagenário, Luiz Felipe parou definitivamente de trabalhar. Continuou se exercitando na escadaria do prédio onde morava, passou acordar um pouco mais tarde. Mas pontualmente às oito horas iniciava a primeira jornada de subir os andares, parava às doze. Reiniciava às quatorze e terminava por volta das dezessete horas. Aproveitava as subidas e rascunhava narrativas no caderninho de anotações. À noite lia e, utilizando–se das anotações, passou a escrever e publicar contos.
E assim, Serioga seguiu a vida. Tornou-se “o homem que subia escadas”.
Há quem acredite ou não nesta história que ouvi e acabei de narrar.
Entretanto, há relatos de pessoas que a confirmam e dizem que tal homem existiu e ainda vive. Tem um pouco mais de 80 anos, já publicou oito livros de contos, mora no Rio de Janeiro. Continua subindo escadas e contabilizando o número de percursos, mas para tal passou a utilizar um contador de quatro dígitos.
Se você acreditou em “Forrest Gump”, do romance escrito por Winston Groom em 1986, ou se não o leu, mas o conheceu do filme homônimo, por que não acreditar em “Serioga”?