Enquanto isto!!!!!!
 
 
Estou pensando com força, tecendo malhas mentais e não fazendo nada.
Estou querendo chegar, entrar no contexto do alheio cérebro e não estou comunicando nada.
Estou indo de um ao outro dos meus pensamentos, explicando-me que quero produzir e parece que eles não entenderam nada.
Não sofro, por isto! Apenas espero. Só um pouco...
Não vou derreter meu cérebro na sem função do que não me acontece neste momento. Pratico ausência! E ausência é privação, não existe. Portanto, é nada! Não estou sendo nada, agora.
 
No entanto, enquanto estou no meu nada, tem por aí, na vastidão do mundo, milhares de cabritas dando cria...
Tem uma rosa derrubando de uma pétala pontuda uma gota de orvalho que, tão pesada é, não pode ser contida;
Neste exato momento, em algum laboratório do mundo, um idealista junta o último “ mosaico” na composição da suposta cura de alguma doença desprezível;
Neste instante, uma velha apegada à vida morre sem querer e um ônibus bate em um trem, ocasionando apenas ferimentos leves em seus passageiros...Incrível!!!!! Os do trem. Os do ônibus precisaram ser socorridos em hospital. Dois morreram.
Agora, neste átomo de segundo, uma mulher expulsa um bebê prematuro. Está sorrindo, ela, a mãe! O bebê chora.
Carregadores conseguem tirar um piano pela janela de um apartamento alto em uma avenida tumultuada e uma menina de quinze anos se afoga na piscina de casa...de roupa nova e com seu primeiro sapatinho de salto alto.
Neste minuto, pela primeira vez, um homem sorri para uma mulher que será a futura esposa...
Bem agora, um pintor termina seu quadro e limpa as mãos com benzina. Olha sua obra e chora!
Uma normalista dá sua primeira aula, cheia de auxílios coloridos, cartolinas e material Montessori e um presidiário reincidente é trancado na mesma cela pela quarta vez depois de assaltar o mesmo banco pela quinta vez. Uma delas não descobriram o autor da façanha.
Um homem e uma mulher se encontram, dão-se as mãos suadas de amor incontido e olham-se nos olhos, apaixonados, estreitando-se em abraço interminável, quente e úmido de desejo. 

Agora, exatamente agora, um coral regido por alto e belo maestro de preto emite o último som da Sinfonia de Bethoven e um sapo mergulha em um rio qualquer, de um país qualquer, de uma crença política qualquer, de alguma religião qualquer...
Do outro lado do mundo que não o meu, nem o seu, a mulher esquimó amamenta o filho, sem sentir frio. O bico do seu seio é muito escuro, assim como a auréola que o circunda.
Neste segundo caem uma chuva forte, uma nevasca e uma árvore centenária. Cai também uma lágrima chorada pela perda de um amor que parecia grandioso e se esvaiu no tempo;
Um fábrica de lápis, usando os préstimos de seus funcionários, empacota-os em caixas de cinquenta unidades.  E um garotinho loiro corta pela primeira vez o seu cabelo cheio de cachos no barbeiro da esquina da sua casa. Vai levado pela avó paterna. A mãe não sabe...
Agora, um tamanduá morre de velho, um trator encrenca, vasando muito óleo e uma bailarina é despedida em um Teatro do Leblon, ficando sem o dinheiro para o pão do dia seguinte.
Outro homem tuberculoso escarra sangue, um maníaco sexual estupra um coelho da raça Angorá, bem novinho e uma moça olha no espelho do dentista como ficou lindo e branco o dente ali colocado.
Um estivador do Porto joga mais um saco de soja no solo do Cais e limpa o suar do rosto com a mão esquerda...
Muito agora, uma freira de mãos postas, rezando na Capela do Convento, sonha com doce de manga que a mãe fazia...
Um velho, muito velho e muito gordo, tenta amarrar o sapato e uma moça russa chora porque foi beliscada na nádega pelo chefe de rosto vermelho.
Há um esnobe que abotoa o botão do colarinho, está vestindo fraque. Uma criança acha a sua chupeta verde, aquela e um sorriso acha de novo  alguém triste que dele precisava. Outro alguém alegre perde seu bom humor sem entender porque.
Neste segundo uma lei é criada, um vaso sanitário é quebrado e uma aliança de ouro 18 Quilates é jogada em um bueiro público. Casamento fracassado.
Neste minuto, um elevador fica preso entre o quarto e o quinto andar de algum prédio e uma dona de casa  derruba chaleira de água fervente em um formigueiro do seu quintal. Saúvas!
Lascou, agora mesmo, o esmalte da unha de uma jovem de cor e um chileno desembarca de algum avião, levando na mão a sua guitarra elétrica.
 
Tanta coisa acontecendo, neste instante... E se eu as vejo, hipoteticamente ou imagino, ou intuo, já não estou sem fazer nada.
Basto-me, pois. Reflito. Faço! Sou!
Mas é muito esquisito o que fiz. Ou não?
 
 

 
isabel Sprenger Ribas
Enviado por isabel Sprenger Ribas em 28/08/2016
Reeditado em 28/08/2016
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