O Espaço Entre o Medo e a Esperança
Ícaro estava numa situação nova para ele. Já estivera em muitos campos de batalha, em verdade a vida nunca lhe dera trégua, mas este campo em que pisara demonstrou o quanto era inocente e inexperiente. O conhecimento dos anos de dedicação aos livros se esvaiu como areia entre os dedos, não lhe serviu de nada. Totalmente impotente, estava perdido em um mar de desespero sem saber o caminho a tomar, sem bússola em meio as aguas revoltas e na escuridão posta pela confusão das emoções se sentia em um bote sem leme e com os remos lutando contra a correnteza à esmo. Pensou - "como pode o destino brincar com a gente assim?" E enquanto em sua mente o destino ria de sua desgraça, pensava na graça que o pôs engraçado diante da desgraça que o fazia sofrer.
Ela, a graça, tinha um sorriso tímido e incontido, um cabelo longo, fino, ondulado e tão desarrumado quanto a cama que oferecia o abrigo aos corpos nus. Como era tímida aquela nudez, mas era linda de ver pela segurança que detinha advinda do orgulho do corpo. "Como pude pô-la como inimigo?" Pensava Ícaro... O destino desgraçava-lhe num dia, noutro levava-lhe aos céus entre o corpo, o banho e o gosto dos beijos, para em seguida virem os acusadores com tochas nas mãos prontos para atear fogo ao que se construiu de bom... Olhou no espelho e viu a marca deixada no braço pela mordida de prazer e sorriu feliz. Sua mente então levou-o ao quarto. Mas os inquisidores não queriam esta felicidade e lhe fizeram questão de lembrar o quanto o mundo é estranho e mal.
"É engraçado quando as relações são construídas entre o medo e a esperança, entre o frio na barriga e a explosão no peito", devaneara Ícaro. Sabia ele em sua certeza do medo que prenunciava a desgraça que lá na ponta poderia dar tudo certo na produção de uma incomensurável felicidade. Como também carregava em seu ser o conflito de que a esperança de fazer feliz aquela tão singela graça poderia terminar em desgraça. "Como pode no mesmo espaço e no mesmo tempo sentimentos tão distintos se completarem de forma tão harmônica", pensa ele sobre o medo e a esperança que dançavam a valsa dos desejos sob o bombardeio dos afetos. Mas no espaço latente entre o desastre anunciado e a alegria produzida pela lembrança trazida a memoria pelo sorriso tímido e incontido Ícaro tentava racionalizar as ideias. "A felicidade não pode ser uma escolha racional", pensava ele, "se a felicidade é uma busca de satisfazer o desejo produzido por uma necessidade inconsciente, qual passo tenho que dar para ser feliz?" Perguntou a si mesmo. As pessoas hierarquizam a sanidade criando padrões de realidades que aprisionam a única coisa que há de voluntário no ser-humano, o desejo gerado pela necessidade inconsciente.
"Preciso tê-la uma vez mais", pensava de maneira insana. "Uma não! Um zilhão de vezes mais". A loucura o dominava cada vez que sua mente se aproximava das possibilidades abertas pelas lacunas do medo e esperança deixados pela relação tão efêmera que tiveram. "Sim, a vida acontece no espaço entre o medo e a esperança, na incerteza do próprio domínio da vida...". Era a única certeza que carregara.