Ela era incrível (3)

Novas revelações neste terceiro texto

revelações sobre ela a incrível,

a interessante Maria Vitória

com certeza: cada vida é uma história

mas cada vida pode ser uma maravilhosa história...

Era muito incrível realmente, eu sou suspeito por falar assim, mas minha mãe era incrível. Senti uma imensa satisfação quando ela concordou que eu fizesse tua biografia. Quando ela acabou de contar aquela história no 1.º texto: “Ela era incrível” no qual eu termino dizendo:

--- É Mãe, mais uma história para ir completando sua biografia...

Ela me respondeu:

--- Tem muitas histórias ainda, Lourenço, realmente agora não dá pra continuar, mas vê se não demore muito pra vir aqui e continuar a escrever tudo que pretendo contar. Lembra do que falei: meus noventa anos estão passando (ainda desta vez ela não falou quanto havia passado rs...rss...) eu sei que é difícil pra você vir na minha casa, você mora tão longe!... (a minha casa ficava a poucos metros de distância, vi logo que minha mãe estava tirando um sarro com a minha cara) aí respondi:

--- Pode deixar dona Vitória, não vou demorar muito desta vez...

E pouco tempo mesmo eu já estava naquela varanda com bloco, caneta e sentindo não ter um gravador pra não perder cada palavra que ia ouvir da famosa Dona Maria Vitória, autêntica contadora de história.

Parece ainda ouvir aquela voz:

--- Ah! Lourenço, você veio? Que bom!

E aí ela a começa:

--- Você sabe que nós não vivemos por acaso. A vida é um mistério, por isso que por mais entendido que a pessoa possa ser não sabe uma resposta definida sobre a vida. Então eu penso que pelo menos devemos ter fé. Eu fui catequista, minha obrigação é tentar passar para os outros sobre a religiosidade ou melhor as coisas que nosso Mestre e Salvador Jesus Cristo deixou para nós. E é por isso, meu filho, se tentei passar para os outros, lógico também que devesse passar para vocês meus filhos.

Eu estava ouvindo atentamente, até que a interrompi bruscamente:

--- Mãe, falando em religiosidade eu lembro que papai que nessa hora deve estar com o Papai do Céu, rezava todos os dias 3 terços antes de deitar e a senhora falava para ele:

--- Luiz, não adianta rezar tanto e não ir à igreja, participar dos sacramentos, quer dizer fazer a obrigação que todo católico deve fazer!

Aí minha mãe me respondeu com toda autoridade:

--- Eu chamei a atenção do seu pai sim, mas você quer saber? Ainda bem que ele rezava aqueles terços, porque é um sinal de que ele tinha fé. Você não puxou nem por mim, nem por ele. Eu já não te falei se não quiser seguir a religião que foi batizado, a igreja católica apostólica romana, então deveria seguir a religião de sua esposa porque ela é uma autêntica evangélica. Vê se não fica em cima do muro!!!... (a franqueza e autenticidade sempre foi o forte daquela que era religiosa até no fundo d’água)

Com este puxão de orelha eu ia dialogar com minha mãe dizendo que não pretendia mudar de lado, apesar de estar satisfeito com a religiosidade de minha esposa, influenciando a todos meus 5 filhos a seguir a religião evangélica, (antigamente conhecidos por protestantes) só que aceitava muito o que se afirmava na igreja católica, por exemplo a virgindade de Maria, até acreditando em algumas de suas aparições, algumas destas histórias considero belíssimas e crendo realmente serem sobrenaturais. Ao mesmo tempo não debatia os cultos nas igrejas evangélicas, suas músicas divinas, encantadoras. Era permanente contra sim, alguns grupos radicais dizerem:

--- Venham para esta igreja, pois só aqui está a salvação...

Mas para evitar o debate cerrado com minha mãe, fui logo mudando um pouco o foco que estava formando, falei:

--- Mãe conta aquela passagem que a senhora estava na missa e escutou uma voz.

Aí novamente animada e mais calma ela começou:

--- Eu estava na missa, justamente na hora de receber a Eucaristia, escuto claramente uma voz:

--- Vai para sua casa agora!

Levantei dali e fui mesmo. Chegando em casa no caminho tinha uma mina de água com mais ou menos um metro de fundura, era a nossa mina porque naquele tempo não tínhamos água encanada. Vi uma das minhas crianças que não lembro qual era, mal sabia andar e estava praticamente quase caindo naquela mina, mal tive tempo de puxá-la pelas pernas e a tirei do quase afogamento.

Escutando este relato de minha mãe fiz minha afirmação:

--- Mãe, esta criança era eu. Lembro que estava afogando nesta mina e senti que me puxaram pelas pernas.

Mamãe falou relutante:

--- Ah! Então era você! Viu como devemos não perder a fé?

E voltando o assunto de religião, seguir religião, você...

Eu interrompi novamente:

--- Espere aí mãe, vamos deixar pra outro dia, ainda tem muita história pra por na sua

biografia.

O tempo corria vertiginosamente, minha mãe ia ganhando uns aninhos a mais, a lucidez ainda continuava nos seus noventa e poucos anos (ela teimava em dizer que tinha noventa e poucos anos, mas já tinha passado muito dos noventa) mas como até mesmo nenhum cristão aguenta, sua mente começava a ter falhas intensas, minha mente então ficava em reboliço, eu indagava e como indagava aos céus:

--- Porque uma criatura que ensinou longos anos de sua vida sobre os assuntos sobrenaturais, para crianças, jovens e adultos, porque ela não teria que ser preservada sua mente intacta até na hora de sua morte?

E foi num momento em que minha mãe estava morando na casa de minha irmã porque precisava dos cuidados especiais, nos seus quase 100 anos de idade o amparo era necessário. As dores acumulavam naquele corpo cansado, eu, minha irmã e outros presentes ali estávamos inertes, um pouco nervosos, acima de tudo não queríamos que ela sofresse tanto, cada movimento que fazia pra ajuda-la parecia inútil, algumas reclamações ela fazia, foi aí que minha mãe disse as palavras:

--- Seja tudo o que Deus quiser!...

Minha irmã no auge da exaustão exclama:

--- Deixa Deus saber disso!...

E naquele instante mesmo, minha mãe com todo seu esforço lhe diz:

--- Você não sabia que Deus saberia como seria todos os dias de minha vida, controlaria tudo, até o fim de minha existência?...

Depois disso permaneceu em silêncio, parecia mais calma, algo circulava no ar como se fizesse que todas as aflições naquele coração e mente cansados, parassem, a paz parecia reinar naquele ambiente. Uma ordem parecia nos dizer:

--- A última lição que Maria Vitória deixa de legado nesse mundo cheio de contrastes, a lição dos mistérios espirituais...

Em 2010, minha mãe faz a viajem sem volta e eu dizendo sempre:

--- Jesus, ela tem que estar no seu paraíso, onde não existe o sofrimento que nesse mundo teima em assolar mesmo aqueles a quem te seguiu com toda a dedicação, fé e acima de tudo com muito amor!!!...