LIMA - LIMÃO
A lima vivia frustrada porque não era o limão, porque achava que ser lima era algo menor e sem importância, uma frutinha assim que nascera à toa em um canto esquecido do pomar. Ser limão, não. Há muito tempo se convencera de que ele nascera com propósito. De que viera ao mundo para ser polivalente, embora ela mesma não soubesse exatamente o que na prática isso significasse.
De tanto querer se comparar com o limão, acabava imaginando cenas profundamente constrangedoras:
“— Quem é você?
— Ah, eu sou o limão; isso dispensa apresentações, meu caro. Aliás, sou primo – irmão daquele outro, o siciliano, de linhagem nobre...
— E você...? Oh, mas é a coitadinha da lima...”
Dormia e acordava ensopada dos suores noturnos, fruto diário do seu conflito existencialista... quer dizer, menos; da sua ignorância provinciana. Acordou um dia e decidiu que precisava de ajuda. Se matriculou no primeiro workshop que encontrou, pois o título lhe era bem sugestivo: “LIBERE A SUA ACIDEZ”. Depois de dois dias de oficinas exaustivas, percebeu que seria bom também ouvir a opinião de alguém mais velho. Foi visitar, então, o maracujá.
Sabe aquele cara zen, amigo seu que já está aposentado e que por isso não está nem aí pra nada e que vai levando a vida graciosamente? Vamos à consultoria:
— ...Senhor maracujá, tem jeito para o meu caso...?
Ela estava ali diante do típico maracujá idoso que costuma dormir em uma gaveta durante todo o dia e à noite dá trabalho à família pra dormir. A visita da lima ocorrera pela tarde, mas o nosso amigo, apesar do sono que sentia, portou-se como um verdadeiro gentleman, ouvindo-a atentamente e, só no final, disse em um tom paternalista:
— Liminha, o limão sabe disso?!
A lima então travou. Ela não esperava que depois de falar por mais de quinze minutos sem parar, expondo a sua vida, os seus medos, as suas frustrações, o maracujá viesse agora lhe fazer perguntas; ela queria eram as respostas, isso sim. Era só o que faltava, esse desfrutável! — pensou. Ensaiou um já vou indo, foi se levantando para sair da gaveta, o maracujá não impediu, mas orientou:
— Procure o limão! Muitos temores nascem do cansaço e da solidão...
A lima foi embora chateada e achando que já escutara aquela frase antes: “muitos temores nascem do cansaço e da solidão”, mas naquele momento muito lhe preocupou a hipótese de vir a surtar, pois desconfiava dessa possibilidade, ouvira isso no workshop. Por outro lado, também percebeu que aquele velho maracujá, apesar de tê-lo julgado desfrutável, tinha-lhe revelado uma palavra chave: solidão!
De volta ao pomar e antes mesmo de retornar à sua “árvore genealógica” ou a algo parecido — não nos prendamos a detalhes bobos que possam diminuir a magia da imaginação —, a lima percebeu, pela primeira vez, que entre a sua morada e a do limão, existia ali bem próximo dela uma vizinha bastante simpática, a laranja. Nunca houvera notado isso, mas bastou uma rápida troca de olhares, o suficiente para que exatamente naquele instante brotasse logo uma grande paixão entre aquelas duas frutas.
Como se fosse em um conto de fadas, dois dias depois alguém que cuidava do pomar fez o enxerto das plantas. Estava, dessa forma, consumado aquele casamento relâmpago, com direito, até, à lua de mel: durante alguns meses, era então um tal de seiva bruta jogada pra cá, seiva elaborada jogada pra lá, clorofila, gás carbônico... enfim, nesse período foram potencializados desdobramentos genéticos que, com certeza, não seriam concebidos nem por um menos desavisado aluno de biologia. Mas foram.
Finalmente, não importa mais aqui discutir a veracidade desses acontecimentos, senão aceitá-los, mesmo porque ainda concluo dizendo-lhe que tiveram em seguida uma filha que passou a se chamar laranja – lima, e que os entendidos do assunto dizem não poder ser cria legítima do casal — no máximo, uma bastarda! —, observação sem importância —, pois fato é que a lima encontrou a sua alma gêmea, o seu ponto de equilíbrio.