Pedreiro cristão (02)
Estou no andaime superior da construção, onde são assentadas as últimas pedras da muralha. O Império reorganiza cidades e constrói fortificações cada vez que conquista uma nova terra. Ouço um colega resmungando, reclamando do filho que resolveu ser cristão e abandonou a família. Vou até ele, esperando consolá-lo, e digo: “Amigo, fique feliz por seu filho. Os cristãos são pessoas melhores, porque procuram amar-se e nunca odiar ou fazer o mal ao próximo.” O homem olha-me com ódio e fala: “Vejam só! Esse maldito é cristão!” Ele coloca as duas mãos no meu peito e empurra com força. Ouço suas palavras: “Morra, maldito!”. Sinto com surpresa e terror de meu corpo projetado no vazio. São quase vinte metros de altura. Perco os sentidos temporariamente e recobro a consciência deitado no chão, incapaz de mover-me, sentindo uma dor imensa que queima meu corpo inteiro.
Alguém arrasta-me até a sombra e procura colocar meus membros na posição correta. Creio que todos meus ossos estão quebrados. As vozes são confusas, e alguém traz-me água para beber. É algum tipo de remédio. O líquido tem um gosto amargo, seu perfume é delicioso, o frescor invade a boca, desce pela garganta, refrigera o coração e se espalha por todo o corpo. A sensação de alívio faz-me recordar o dia em que esbarrei no Mestre.
Eu tinha dez ou onze anos, e brincava de guerra com outros meninos. Usávamos pequenos gládios de madeira e o auge da brincadeira era sempre o embate entre patrícios e bárbaros. Recordo que fiz alguma traquinagem e saí correndo pelas ruas de pedra, com um pombo em uma das mãos. Para escapar do campo de visão dos meninos que me perseguiam, dobrei uma esquina, esbarrei em um homem vestido de branco e caí de costas. O pássaro voou. Fiquei aterrorizado, antecipando a bronca que levaria, e com certeza o castigo. Olhei para o homem em que havia esbarrado, e para minha imensa surpresa ele estendeu-me a mão, perguntando: “Você machucou-se, menino?” Levantei-me com o apoio dele e respondi que sim. Meu cotovelo direito doía um pouco, provavelmente por bater contra o calçamento da rua. O homem tinha cabelos longos, repartidos ao meio. Passou a mão ao longo do meu braço dolorido e disse: “Agora não vai doer mais”. E de fato a dor cessou completamente. Ele sorria, parecendo divertir-se com minha surpresa, e sua presença fazia-me sentir muita paz. “Vai em paz, menino, e nunca faças mal a ninguém”, disse-me ele. Seu rosto bondoso eu jamais esquecerei.
Poucos anos depois tornei-me homem e resolvi abandonar a casa dos meus pais, para juntar-me a uma comunidade dos cristãos, a fim de aprender tudo o que aquele Mestre havia ensinado antes de ser assassinado. Em nossa aldeia, no meio do nada, às margens da via, nossa principal preocupação era produzir alimento e manter funcionando o abrigo para os novos membros e para os viajantes.
Preocupava-nos também a harmonia e a amizade entre todos. Procurávamos nos afastar das comunidades do Império, especialmente dos patrícios, porque eles tinham desprezo por nós, e diziam que éramos tolos por acreditar em salvação das almas no Reino dos Céus. Eu não conseguia entender porque eles tinham tanto apego à riqueza e ao poder.
Recordo que, passados alguns anos, resolvi deixar a comunidade dos cristãos e viajei até as novas fronteiras do Império, onde passei a ganhar o meu alimento trabalhando nas construções de pedra.
Meus pensamentos retornam para o meu corpo dolorido. Alguém passa um pano molhado em meu rosto, proporcionando-me uma sensação refrescante. Olho ao redor e há uma luz dourada no ar. As pessoas estão comovidas e algumas me olham piedosamente. Levanto-me de onde estou, e dou alguns passos. É estranho, porque as pessoas não me enxergam, e continuam olhando para o chão, como se eu ainda estivesse lá. É porque meu corpo permanece onde caiu.
Olho ao redor e uma luz cor de prata inunda o ar. Sinto-me estranho. Meus passos não fazem barulho no chão. Tudo é silêncio. As pessoas falam, mas não ouço suas vozes. Pergunto o que está acontecendo, mas ninguém me ouve, ninguém responde. Resolvo abandonar esse lugar e retornar para a casa dos meus pais. Eles moram longe, e terei que fazer uma grande viagem de volta ...