A PERGUNTA DA ROSA

...Ela me disse que tanto a terra em que eu pisava quanto o canteiro em que ela se encontrava nada mais era senão o berço do infinito e que conseguia ver isso não devido ao fato de ser clarividente, mas sim, e isso ela ressaltou, ao fato de não poder olhar para si mesma.

Ela disse mais: antes estivera à margem de um rio - pequeno rio. Desses que não são mencionados por poetas, nem aparecem nas cartas topográficas e que, no entanto, era o mais importante do mundo porque era à beira do qual se permitia sonhar. Contou, entre tantas outras, a estória da jovem que vinha à margem do rio sonhar uma outra realidade, menos triste do que a atual. Contou a história dos garotos que paravam sobre a ponte para jogar pedrinhas no rio; a dos casais de namorados nas madrugadas enluaradas.

Eu ouvia-a atentamente, apesar de certa incredulidade - característica típica dos ouvintes - e me via fascinado por tal imagem viva, cativante que desprendia de sua figura. Pensei em lhe dizer que além de bela, ela era agora um imperativo, uma obrigação a qual eu devia render-me todas as vezes que passasse por aquele local. Muitas outras coisas formulei em pensamento e se não cheguei a dizer foi pela estranheza de me ver dialogando com uma rosa. Calei-me, então, e me tornei parte da beleza por mim contemplada. Apenas ouvia, e ela parecia continuar falando enquanto eu sentava-me ao seu lado, no chão mesmo, para melhor ouvi-la. Contou-me da mão que a regava todos os dias, que a cuidava, mas que a despeito disso ou talvez por isso mesmo se sentiu no direito de um dia tentar arrancá-la de sua haste, no entanto, disse-me ela que provou sua astúcia para essa mão, a custo de manchar seu caule de vermelho e perder um de seus melhores espinhos.

Ela me contou muitas outras coisas, algumas das quais já esqueci, outras que permanecerão comigo enquanto viver. Disse-me que assim como ela, eu também sou natureza, que possuo dentro de mim primavera, verão, outono e inverno, que faço digestão ao passo que ela faz fotossíntese. Relembrou-me o que eu havia esquecido, enfatizando que entre todos os outros mundos possíveis esse era o mais importante porque era onde eu poderia sentar no chão e dialogar com uma flor, correndo apenas o "enorme" risco de me chamarem de louco. Por fim, disse-me que talvez noutro dia não mais a encontraria lá, pois vira pela manhã a malfadada mão passar com uma enorme tesoura. Eu tentei reconfortá-la insinuando que talvez não fosse o que ela estava pensando, ao que ela respondeu não ser tão mal assim fazer parte de um arranjo de bodas de ouro. Calei-me, respirei um pouco de ar puro, e aparentando naturalidade perguntei se aquilo tudo tinha que acontecer, se estava escrito que deveria ser assim. Ela ia responder-me, porém barulhos no trânsito assustaram-na por um instante, ao fim do qual exortou-me: ”Nada está escrito antes que aconteça”.

Eu ia prosseguir, porém, o barulho agora se tornara mais estridente, impossibilitando-me a voz. Resolvi calar e aproveitar o momento fugidio: encostei meu rosto até poder sentir sua mágica fragrância, e antes de acordar pareceu-me ouvi-la perguntar: “A mão que colhe a rosa, colhe por amor à rosa, por amor a outrem ou por amor a si próprio?”.

Na realidade, não tive tempo de responder à rosa do sonho porque o despertador prenunciava um dia de árduo trabalho. Quem sabe se na próxima noite eu dormir, e talvez sonhar, eu possa responder à pergunta da rosa.