PELA CICLOVIDA DAS SÚBITAS VIAS

Em homenagem.

Ele ia porque sempre lhe coubera ir e, por ali, sabia que chegar vivo em algum lugar lhe pareceria ressurreição.

Era o seu desafio...perene e vital.

Naquela manhã ensolarada, de feriado aos ossos, ligou o rádio, sintonizou o dial da sua preferência, ouviu as notícias e mesmo assim acreditou que-mais uma vez!- venceria ao menos a olimpíada do seu existir sob os braços do Redentor.

Então, aqueceu o corpo cansado da semana, lubrificou os joelhos e cumprimentou a bike.

Em pensamento, fez a oração de costume sem saber de nada, naquela abençoada ignorância que nos salva das inércias.

Não se despediu de ninguém porque, como de praxe, a fé sempre o fazia acreditar que poder voltar é a lógica principal de todas as vias, inclusive das novas vias temerárias, as prometidas nos púlpitos do negligente progresso sem limites.

Ele e a bike, ambos sairam ao destino das paisagens mais belas do mundo, não as dos homens, obviamente, mas aquelas que a natureza calma, resignada e resiliente, sempre consegue recuperar para presentear a mão que lhe dilapida sem consideração.

Voar por ali era a melhor oração de agradecimento ao Sagrado.

Pela ciclovia a beira mar, ia a sentir o vento na face, naquela liberdade milagrosa de, mesmo sem asas, se poder continuar pelos ousados caminhos, os conduzidos pelos pés da própria vontade, a ouvir a virgindade mais íntima do marulhar das ondas que, lá embaixo, batiam no paredão de pedras concretas a murmurar queixas inaudíveis.

Sei que agradeceu a Deus por, por mais um instante, se amalgamar em alma, em ser único àquela beleza que ia e vinha a nada lhe pedir.

De repente, sem que pudesse pressentir a próxima cena, foi sobressaltado pela fúria do desesperado cansaço do mar frente à negligência dos homens com o tudo e com o todo.

Apenas sentiu que o mar lhe pedia por socorro...

Abraçados pela onda brava que subiu alto, a que inocentemente gritava pela perene injúria planetária, ele e a bike desceram mar adentro em oração de unidade, pela ciclovida das vias sempre inesperadas, emolduradas por emperdenidos paredões, e se despediram dos contos surreais que nem Deus os ousaria escrever.

Pedalando segue ele, agora pelas ciclovidas dos ecossistemas misteriosos do além mar, na esperança de que ali estará protegido em amálgama de vida, vida de fato quiçá, aquela que em Terra sequer a conhecera.