Senhora das águas
Às margens do Açude Cachimbo, uma caderneta descansava.
Nas suas páginas salpicadas de gotículas estavam rabiscadas:
“Há ondinhas na superfície, ouço o vento tocar a água e murmurar um chamado. Irei...”
Caligrafia cheia de curvas, sem erros ortográficos, letra escrita com o capricho e perfeição que animariam qualquer professor de português.
Um pouco mais distante, uma camisa de algodão, bermudas longas, alvíssimas, lápis e chinelos.
No fundo, no lodo escuro do Açude, um corpo magro, de tez pálida e bem cuidada descansava, aninhava-se a lama preta como se fosse seu colchão.
Se estivesse tudo um pouco mais claro –nunca estaria pois, Dona Escuridão reina ali todo o sempre – poderia se notar um sorriso tímido no rosto bonito e jovial daquela forma.
À noite, A Lua cheia, senhora gorda e orgulhosa de seu brilho que se sobrepunha as inúmeras estrelas, meras crianças filhas da noite, lançava seus raios sobre as águas dando-lhes vida tal qual tinham durante o dia.
A caderneta, as roupas branquíssimas tais quais vestes angelicais, os chinelos lavados pelo ir e vir das águas, tudo se fora...
No fundo, no lodo, na lama, peixes agitavam-se, nadando de encontro uns aos outros, esbarravam-se, saltavam à superfície e voltavam ofegantes. Olhos grandes e desesperados cheios de perguntas irracionais e improváveis de vir à tona e aos nossos ouvidos mais irracionais ainda a essas coisas misteriosas.
O vento surrava a água escura. Fugia para a copa das árvores fustigando-lhes, apanhava a areia dos bancos com seus dedos ágeis e lançando-a pelos lados.
Então, a Lua, cansada da noite, recolhia-se e o Senhor Sol, resplandecente cavaleiro tomava-lhe o posto. À terra, os seres terrenos despertavam, outros, só agora adormeciam.
Às margens do Açude Cachimbo, uma caderneta descansava...
Wenderson Mota