A Ilha do Amor - parte 1

O pequeno barco era novo em folha. O azulado de suas laterais refletia ainda viva e belamente o frescor da tinta. O interior compreendia uma cabine modesta, com sofá cama e uma poltrona de couro marrom; no centro, uma mesinha quadrada de madeira e três cadeiras. Subindo-se uma escadinha de cinco degraus em curva era o convés. Ali, Beatriz sentia, na pele e na alma, o que era viver. Era tal o estado de relaxamento e quietude que quase adormecia, tendo as pernas morenas e muito bronzeadas totalmente largadas para fora da cadeira de praia dobrada para trás no acolhimento do seu corpo seminu. Os seios, redondos e firmes, exibiam as marcas da peça íntima que faltava e uns braços sobre outros descansavam, felizes e esquecidos, os dela e os da cadeira.

O barco seguia livre e ritmado sobre um mar ainda calmo, de águas verdes. O esforço de André era mínimo ao timão. Largou-o por uns instantes. Desceu as escadas. Na cabina, agachou-se ao lado da poltrona e abriu a portinhola cinza de um pequeno freezer embutido. Sacou de lá uma garrafa e dois copos.

– Vamos bater – brincou Beatriz, esticando uma das mãos para pegar o whisky.

– Não se preocupe. Deixei no automático. Estamos perto agora, menos de uma hora pelos meus cálculos.

– Uma ilha deserta! Não vejo a hora. Como conseguiu, meu amor? – André coçou a barba e sorriu, antes de responder.

– Não foi difícil. Com a falência da empreiteira de mineração, deram por encerradas as buscas. Não encontrando nada de valor, abandonaram a ilha.

– E o que eles buscavam?

– Ouro, por certo, além de pedras preciosas. Dizem alguns que o principal motivo teria sido a presença de canibais. – Beatriz endireitou-se na cadeira e fitou, sobressaltada os olhos azuis de André, sentado ao seu lado.

– Você não pode estar falando sério – disse, quase gaguejando.

– Tolinha! Tranquilize-se. Nunca conseguiram provar a existência deles na ilha. Mesmo o desaparecimento dos dois operários de forma sinistra não dá garantia de que tenham sido vítimas dos canibais.

– Está vendo! Você disse: dos canibais. Amor, vamos desistir deste passeio, por favor.

– Acalme-se, meu anjo! Estamos há meia hora do nosso destino. É tudo o que você queria para a nossa lua de mel: uma ilha deserta.

– Não tenho tanta certeza agora de que seja realmente uma ilha deserta.

– É claro que é. Não existem canibais nestas regiões e os desaparecidos certamente se afogaram. Foi tudo uma invenção ou uma desculpa para o fracasso deles. – Dizendo assim, aproximou os lábios molhados e adocicados da bebida nos de Beatriz e conseguiu arrancar deles um sorriso. Desviando os olhos, alcançou André outra visão. Ao longe, mas bastante perceptível, os primeiros sinais de terra.

– Olhe! Estamos chegando. – Dizendo isso, dirigiu-se ao leme. Passados quinze minutos, toda uma paisagem descortinou-se diante deles. Beatriz, ao vir do banho, trajava uma bermuda amarela de fecho éclair e uma camiseta branca bem fina e transparente. Por trás de seu homem, envolvia-o na cintura, já bem mais calma e sorridente. À medida que se aproximavam, mais admirados iam ficando. A orla espumosa banhava a areia quente, espalhando conchas, fazendo bailar os refugos que iam e vinham ao sabor das águas. A extensão da praia perdia-se em meio a numerosos escabelos, alguns invadidos pelos brotos das raízes que surgiam em seu meio. Outros, recebendo das ondas o batismo constante, exibiam o produto sedimentoso misturado a ostras e caracóis. Ao fundo, o silêncio da vegetação. As palmeiras, altivas e chilreantes, dominavam a vista. Ao topo delas eram numerosos os cocos e vistosas as suas fol hagens. Por trás desta maravilha estendia-se a floresta, densa e misteriosa.

O que haveria ali? Um bando de corvos, atravessando o espaço, sumiu por trás da mata e envolveu novamente em mistério e solidão o panorama da selva. André ancorou o barco. Desceu até a cabine e entrou no chuveiro. Meteu um calção alaranjado, prendendo-o numa enlaçada. – Vamos acampar? – quis saber de Beatriz.

– Não, por enquanto, amor. Quero ter a certeza de que estaremos bem e seguros. – André sorriu. Pegou uma sacola e deixou a cabine. Ela já o esperava na proa e contou com sua ajuda para descer até a água. Até os joelhos submersos, caminharam e chegaram à terra firme. O primeiro dia foi só felicidade. Cevaram-se do melhor. Aproveitaram a vida que era ali abundante e magnífica. De tudo fizeram um pouco; amaram-se, até, posto que em lua de mel se encontravam. Os corpos nus, soltos na brisa, rolaram na areia e se banharam no mar. Ao dia feliz sucedeu uma noite calma e aconchegante. No silêncio da embarcação, testemunha e amiga, montaram na manhã seguinte a barraca. Quatro estacas na areia e, sobre elas, o verde escuro da lona abria-se em contraste com as laterais vermelhas e bem esticadas, presas por argolas a resistentes pinos de ferro. Outra lona, caída e com fecho éclair, guarnecia a en trada. Um toldo branco, esticado por cordas, protegia-os do sol forte enquanto namoravam e conversavam, apreciando a beleza do local. O lugar era muito maior do que se podia supor à primeira vista, pois a densidade da mata envolvia tudo em mistério. Outras praias como aquela existiam. Subindo-se em algumas pedras descortinava-se magnífica paisagem e, caminhando-se por elas, alcançava-se uma trilha que cruzava um terreno íngreme, cuja inclinação dificultava a descida.

André e Beatriz saíram da água e, de mãos dadas e sorridentes, correram em direção à barraca. Sentaram-se sob o toldo, comeram ovos mexidos, algumas fatias de presunto e tomaram café. Ele tirou, de uma bolsa preta de couro, um par de binóculos, olhou em direção às pedras e pressentiu a trilha.

– Espere um pouco. Vou até lá dar uma olhada – disse, enquanto se levantava e sacudia a areia do short.

– Não é arriscado?

– Só quero ver do outro lado. Penso que por ali poderemos explorar um pouco a ilha. Não se preocupe, terei cuidado. – Dizendo isto, penetrou na barraca e de lá saiu, já dentro de uma bermuda branca, tênis marrom e camiseta verde, sem manga. Tinha no pescoço o binóculo e na cintura uma arma. – Não custa nada se proteger – falou, ante o olhar de exclamação de Beatriz.

O limo de algumas pedras impedia uma perfeita escalada e ele precisava, com frequência, agarrar-se com as mãos, pois, as pancadas das ondas se faziam bem próximas e ameaçadoras. Aborrecia-se com a possibilidade de passar com Beatriz por ali. Finalmente, chegou mais acima e divisou a trilha. O caminho tortuoso fora feito a golpes de foice, provavelmente. Viu André galhos pelo chão e intuiu que a trilha havia sido renovada para que não se perdesse com o rápido crescimento da vegetação ao redor. Sentiu um calafrio e deu meia volta para sinalizar Beatriz da descoberta. Soube que, de onde estava, não poderia avistá-la. Havia subido demais e uma volta do terreno deixava fora de vista a barraca.

Desceu mais um pouco e, qual não foi a sua surpresa. Ao olhar para o local, não viu a esposa. Lançou o olhar ao redor, mas só encontrou o deserto do mar e as ondas que, indiferentes a tudo, beijavam a areia e se recolhiam orgulhosas. Desesperado, desceu como flecha, alheio ao perigo de escorregar e se espatifar lá em baixo. Em sua mente perturbada, não mais que a preocupação da perda e em seus ouvidos o insistente e atordoante marulhar das ondas sobre as rochas. Chegou à barraca. Entrou e não viu a noiva. André, aturdido, viu aumentar seu desespero ao dar falta da embarcação. O que teria acontecido? O que fizeram a Beatriz?

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 25/03/2016
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