DE CARA PARA O CÉU

Há muito tempo que não rezo antes de dormir. Deito sempre do lado esquerdo da cama virado para a janela e em posição de conchinha. Assim, tenho sempre o céu ao meu alcance e posso aproveitar para contar estrelas quando me faltam carneirinhos. Até já tentei ouvi-las, mas reconheço o meu amadorismo diante da magnitude desse ato; isso é coisa para profissionais.

Deitado na cama e mirando o céu, entretanto, eu já decidi sobre acordos internacionais que acarretariam compromissos gravosos ao nosso país, sem sequer precisar da participação de um único parlamentar. Em menor escala, várias autoridades prepotentes foram por mim julgadas e apenadas. Até o síndico do meu prédio, que eu acho que não vai com a minha cara, decidi que ele teria que fazer vistas grossas toda vez que eu recebesse mais de uma visita feminina no mesmo dia da semana no meu apartamento.

Mas a minha grande sacada mesmo foi quando, deitado na cama e mirando o céu, eu percebi que poderia desinventar coisas. De cara, desinventei religião. Isso foi o bastante para que outras desinvenções se fossem fazendo necessárias: inicialmente, tive que também desinventar as guerras do Oriente Medio e a de uma centena de países pobres mundo afora. Em seguida, desinventei o eixo político da Nova Ordem Mundial e o Capitalismo. Dando sequência, fui desinventando tudo sumariamente: Mercado de Capitais noção de tempo útil, pena de morte, atitudes politicamente corretas, conceito de celebridade, reality show...

E fui desinventando... desinventando... até amanhecer o dia, quando, então, percebi que poderia ter desenvolvido uma forma primária de sociedade, baseada economicamente no escambo. Meu Deus! — Exclamei — desse jeito não vou ter mais como comprar Fanta Uva! — Levantei da cama e corri apavorado até o mercado da esquina.

Felizmente, logo constatei que as prateleiras continuavam servidas da minha bebida preferida.

Então, teria sido tudo sonho, ou apenas mero exercício mental? Sei lá! Aproveitei para comprar uma quantidade generosa e paguei no cartão de crédito; estou de olho nas milhas.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 07/03/2016
Código do texto: T5566416
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