A sacola de pão
O dia mal começou e lá está ele correndo pelos corredores sem iluminação do antigo hotel. Só poderia causar aborrecimentos a senhora Zelma que vinha da padaria com uma sacola de pão! “Coitada! Sempre derrubando as coisas pelos corredores”, pensava o moleque travesso que esbarrara nela. Ela nunca se queixava dele. Recolhia a bagaceira do chão e seguia calada para seus aposentos.
Dona Zelma era moradora daquele edifício desde que se casou. Aliás, ela foi a primeira hóspede do Hotel Garden, em sua lua de mel com Diolindo, seu falecido esposo.
Apesar do glamour que o lugar oferecia, seus sócios se desentenderam e venderam o prédio. Os novos donos, Amadeu e Vicência, venderam os apartamentos por acharem mais rentável.
Encantada com o frescor da manhã no jardim, variedades de rosas e árvores ao redor das janelas brancas e paredes azuis da cor do céu, convenceu Diolindo a mudarem-se definitivamente para lá.
Além deles, moravam no pequeno e luxuoso paraíso, os donos e um filho de seis anos, Tereza, a costureira renomada e Joaquim, seu esposo alfaiate, Mariana e Cândida, as primas alegres, por último, Juvião, o morador mais sombrio e misterioso do prédio.
A rotina desses moradores era bastante harmoniosa! Amadeu e Vicência se dedicavam a promover piqueniques no jardim aos domingos. As primas adoravam contar histórias engraçadas e com o passar dos anos, se repetiam.
Os vestidos mais bonitos eram confeccionados por Tereza para embelezar suas vizinhas. Joaquim deixava os homens mais elegantes, exceto Juvião que usava o mesmo terno cinza desbotado e quase nunca aparecia aos encontros de moradores se não fosse para reuniões de condomínio, onde o mesmo reclamava das danuras do pequeno João.
Quarenta anos se passaram! Tereza e Joaquim foram morar com a filha em outra cidade e o apartamento está para alugar. João ficou inconformado com a partida deles e visita a casa vazia todos os dias, principalmente em horários que seu pai está mostrando o imóvel aos interessados.
Vicência perdeu os movimentos das pernas, consequências tardias de um acidente ocorrido há muitos anos aliado a um quadro severo de depressão. Amadeu dedica seus dias a ela, ao jardim e as inúmeras tentativas de alugar o apartamento dos antigos vizinhos.
As primas de cabelos brancos e esvoaçados visitam o Jardim e ainda brincam e contam histórias duvidosas à João, que se diverte com a espontaneidade das duas.
Juvião, agora usa um terno preto e chapéu para esconder o rosto enrugado, como se antes do passar dos anos já não o fosse. Passa pelo garoto nos corredores e faz sinal da cruz se apoiando na bengala. Mas dona Zelma faz questão de ignorá-lo apesar de amá-lo como um filho, pois o menino não sabe qual o lugar dele! Passa o dia aprontando no condomínio e a noite faz muito barulho não deixando os moradores descansarem.
Quando tudo parece estar calmo, lá vem o pequeno João e a faz derrubar suas eternas sacolas de pão! “Esse menino não tem jeito”!