Segredos do Mar

Por Evaí Oliveira

evayoliveira@hotmail.com

“Iemanjá

Odoiá! Odoiá!

Rainha do Mar...”

Estava andando pela praia da Boa Viagem, na Cidade Baixa, admirando a vista da baía de Todos-os-Santos e da Ilha de Itaparica, cantando a música de Dorival Caymmi, Caminhos do Mar. De repente, as ondas ficaram mais agitadas. Tive a impressão de ter ouvido uma voz suave dizendo “Venha até mim!”. Olhei para os lados. A praia estava deserta.

Dei alguns passos dentro da água e ouvi a voz me chamando mais uma vez. Quando estava com a água na altura da cintura, uma onda se levantou à minha frente e me cobriu. Não fui jogado na praia. Mesmo submerso, respirava normalmente. Não via mais a superfície. Os peixes pareciam falar comigo.

A poucos metros de mim, os peixes começaram a nadar em círculo e um pequeno redemoinho se formou. Dentro dele, apareceu uma mulher morena de cabelos longos usando um vestido azul comprido, com uma tiara e um colar feitos de pérolas e brincos de estrelas do mar.

Pensei estar imaginando coisas. A princípio, fiquei sem reação, pois não entendi o que estava acontecendo. Mas era real. Eu estava vendo um orixá. Uma divindade da religião - ou mitologia – iorubá. Muitos seguidores de outras religiões, que se iludem a ponto de acreditarem que a que seguem é a religião do Deus verdadeiro e atacam o candomblé acusando os orixás de serem demônios, o que não é verdade, apenas são entidades de uma cultura diferente, nem melhor, nem pior.

A figura feminina era Iemanjá, a Rainha do Mar. De acordo com as lendas, ela nasceu em Aiocá, uma região da Nigéria. Por isso, também é conhecida como Princesa de Aiocá.

O nome do orixá vem da expressão iorubá Yéyé omo ejá que significa mãe cujos filhos são peixes. Segundo a mitologia, Iemanjá é filha de Olokum, orixá da água. A nação iorubá Egbá saúda a rainha do mar com a expressão Odoiá, em que Odo quer dizer rio e iyá mãe, resultando em mãe do rio. Para essa nação, Iemanjá é o orixá das águas doces de salgadas.

– Olá, meu protegido! – Cumprimentou-me, estendendo a mão.

– Seu protegido, eu?

– Isso mesmo. Você é um admirador e pesquisador da nossa cultura, que, para muitos, é imaginária. Por isso estou aqui para você ter certeza de que nós existimos.

– Mas... Devo estar dormindo...

– Não. Não está. Você estava andando pela praia cantando e invocando meu nome.

– Ainda não entendi por que está aparecendo para mim.

– Você nasceu em fevereiro, gosta de admirar o mar. Ainda não percebeu que é meu protegido?

– Mas eu não sigo a sua cultura. Só pesquiso.

– Nós escolhemos as pessoas sem elas saberem ao menos quem somos.

– Como vocês...

– Escolhemos as pessoas de acordo com suas personalidades. Os meus protegidos são sinceros, calmos, mas quando se irritam, são como as ondas do mar. IE

– Batem no que está à frente sem medir as consequências. Também são vaidosos com os cabelos e sedutores.

– São caridosos, temperamentais e tímidos.

– Alguns têm medo do mar.

– Venha comigo! Vou te levar para conhecer a minha morada.

Um cardume se aproximou e os peixes nadaram em círculo em volta de nós. Desaparecemos do fundo do mar. Quando percebi, estávamos em uma caverna submarina com vários peixinhos coloridos nadando. Tinha um espelho enorme com penteadeira na parede do fundo, uma mesa de centro cheia de espelhos, brincos, perfumes, sabonetes, batons, colares, pulseiras, anéis e outros adereços femininos.

– Então, as oferendas jogadas no mar vêm parar aqui?

Na Bahia, ela é homenageada no dia 2 de fevereiro, no Rio Vermelho - Salvador, com a tradicional procissão de barcos até certo ponto do mar para jogar flores, perfumes, bijuterias, sabonetes, espelhos etc.

– Aceito os mais bonitos. Os outros, deixo que as ondas levem às praias.

– No outro dia, as praias estão cheias de oferendas. Muitas mulheres passam um bom tempo sem comprar perfumes.

No dia 8 de dezembro, a homenagem à rainha do mar acontece na Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio, devido ao sincretismo com Nossa Senhora da Conceição. E nesse mesmo dia, há uma manifestação de devoção dos pescadores na praia de Monte Serrat, ambos na Cidade Baixa de Salvador.

Na passagem de ano, no Brasil, as pessoas costumam pular sete ondas para pedir sorte ou colocar barquinhos com flores e presentes.

No meio da sala, havia uma mesa de seis lugares, coberta com uma toalha azul com conchas bordadas.

– Antes, diga-me quais as minhas comidas preferidas?

– Peixe de água salgada, manjar branco, cocada branca, acaçá, bolo de arroz.

Aos poucos, as comidas da rainha apareceram sobre a mesa, em bandejas e travessas de prata, que é o metal do orixá.

– Pode pegar o que quiser!

– Vou aceitar a cocada, majestade!

Depois de experimentar a cocada, Iemanjá disse que me levaria ao Orum, o plano espiritual, o céu dos orixás. Os peixinhos coloridos, que estavam na caverna, começaram a nadar ao nosso redor, formando mais um redemoinho.

Ao aparecermos no Orum, fomos recebidos por um orixá vestido em roupas brancas, um adorno na cabeça com continhas cobrindo os olhos e com um cetro na mão. Era Oxalá, o pai de todos os orixás, marido de Iemanjá e único orixá capaz de dar vida a seres sem vida.

Na segunda quinta-feira de janeiro, há uma grande festa em homenagem ao Senhor do Bonfim e Oxalá, na Colina Sagrada do Bonfim. Devido ao sincretismo entre o santo e o orixá, há a tradicional Lavagem do Bonfim em que as duas culturas se misturam na lavagem com ervas e água de cheiro da escadaria da Igreja, pelos candomblecistas e na missa rezada pelo padre.

– Iemanjá, Vossa Majestade sabe que os humanos não podem subir ao Orum. – Disse Oxalá.

Iemanjá também é sincretizada como Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora das Candeias e outras santas da Igreja Católica que representam a Virgem Maria.

– Sei disso, Oxalá. Mas queria que meu protegido conhecesse alguns de nós.

– Bem-vindo, humano, ao Orum! Sou o criador de mundo.

– O primeiro orixá que Olodumaré, o deus supremo, criou a partir de uma massa de água. E criador dos seres habitantes do Aiyê. Epa Babá!

– Oxalá, ele nos conhece e sabe que você só criou os seres do Aiyê.

– Bem, tive alguns problemas no caminho, não fiz as oferendas necessárias a viagem...

– E Odudua, sua parte feminina, criou o mundo dos humanos, o Aiyê. Mas porque os humanos não podem vir ao Orum?

– Quando a Terra, Aiyê, foi criada, os humanos e as divindades dividíamos o mesmo espaço. Mas um humano tocou o Orum com as mãos sujas e poluiu nossa habitação sagrada. – Respondeu Oxalá.

– Com isso, Oxalá foi reclamar a Olodumaré, que não gostou da sujeira e falta de cuidado dos mortais. – Completou Iemanjá.

– Pelo que eu sei, os orixás têm sentimentos humanos.

– Como estava enfurecido, Olodum soprou e separou o Orum do Aiyê. – Continuou Oxalá.

– E depois disso, nenhum humano poderia ir ao Orum e voltar com vida. Mas fique tranquilo. Você é um convidado real. – Justificou a rainha.

Por um momento, fiquei meio assustado, mas logo me tranquilizei quando Iemanjá disse que eu voltaria para casa a salvo. Oxalá continuou a explicação dizendo que os orixás não poderiam ir à Terra com seus corpos.

– Por isso, têm que incorporar nas ialorixás, mães de santo, e nos babalorixás, pais de santo. – Afirmei.

Continuando, Iemanjá falou que depois dessa separação, os orixás sentiram muitas saudades das aventuras com os humanos. Daí, foram falar com Olodum e ele permitiu que pudessem descer ao Aiyê, mas com a condição de incorporar nossos devotos.

– E Oxum, orixá da água doce, foi encarregada, por Olodumaré, de preparar as ialorixás e os babalorixás para recebem os orixás em seus corpos. – Mencionou Iemanjá.

– Dessa parte, não sabia. Mas sei que ela é o orixá da água doce, do ouro e filha de vocês dois. Segundo a mitologia iorubá, ela também é o orixá do amor e da beleza. Para os candomblecistas baianos, ela mora no Dique do Tororó.

Antigamente, havia um riacho que desembocava em uma lagoa. Alguns historiadores afirmam que foi escavado a pás pelos escravos para conter a invasão dos holandeses, no século XVIII; outros, que foi escavado pelos próprios holandeses.

Com o passar do tempo, essa lagoa ficou conhecida por dique. E, em 1998, recebeu oito esculturas de orixás construídas pelo artista plástico Tati Moreno. Com isso, o local foi considerado sagrado pelos adeptos do candomblé.

– No Dique e nos rios. Assim como eu que moro nos mares.

– Iansã, nas nuvens e Oxóssi, nas florestas. Sei que alguns orixás não moram aqui, no Orum.

– Agora, temos que descer ao Aiyê. Preciso voltar para o mar e você tem que voltar para a praia da Boa Viagem.

– Vamos, então. Epa Babá, Oxalá! Até a próxima visita ao Orum! E, Rainha do Mar, Odoiá!

Uns pontos de luz azul apareceram e começaram a nos rodear rapidamente. Quando abri os olhos, estava deitado em minha cama, sentindo a brisa do mar que entrava pela janela entreaberta. Levantei-me, abri a janela completamente e puxei a cortina para ter uma melhor visão do mar, no Rio Vermelho. Agora, estou confuso. Não posso confirmar se conheci Iemanjá e fui ao Orum. Também não tenho a certeza de que tudo aquilo foi um sonho.

Evaí Oliveira
Enviado por Evaí Oliveira em 02/02/2016
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