O túmulo
O túmulo
Agnaldo não se conformava com a morte de sua amada Betânia. Questionava até mesmo a Deus pela perda do amor de sua vida, ainda tão jovem. Apesar de poucos, foram anos de intensa felicidade.
Lembrava-se de como a conhecera numa festa de são-joão na cidadezinha onde nasceram, ainda adolescentes, quando se ofereceu para ajuda-la a disparar uma bomba rojão que trazia nas mãos, não sem antes alertá-la para o perigo que aquele artefato representava. “Por que não solta fogos mais simples, como uma chuvinha, estrelinha?” – Perguntava-lhe. A resposta dela foi que gostava de ver o rojão rasgando o espaço antes de pipocar.
Ele jamais esqueceria aquela noite, o seu sorriso, a roupa de matuta que trajava, as sarnas aplicadas com um lápis em sua face, o seu olhar brejeiro a desfilar inocência. Foi naquele instante em que tudo começou entre eles.
Recordava-se que no dia seguinte lá estavam os dois a caminhar pelas ruas, de mãos dadas, a remexer os restos de fogueiras, algumas ainda com chamas a crepitar, desafiando o tempo. Não se desgrudaram mais, nem mesmo quando retornaram à capital onde moravam.
O namoro encaminhou-se para um noivado e um feliz casamento. Sempre que podiam retornavam a cidadezinha onde nasceram e se conheceram naquela noite de lua, em plena festa de são-joão, com os fogos de artifício festejando o encontro dos dois.
Betânia fora acometida de um câncer agressivo no fígado, que a vitimou em pouco tempo. Não foi fácil para Agnaldo acompanhar o doloroso tratamento, mas não a deixou em nenhum momento. Os reflexos da quimioterapia afetavam não somente a ela, mas também a ele. Constrangia-se em ver a sua amada definhando como erva seca.
Agnaldo não se resignara, apesar de todo o apoio que tinha dos amigos e parentes. Sem ânimo, afastou-se de suas atividades. Passava a maior parte do tempo ao lado do túmulo de sua amada. Ás vezes adentrava pela noite. Conversava como se ela estivesse ali, ao seu lado, ouvindo os seus lamentos, enquanto repassava tudo o que haviam vivido. De vez em quando um choro mais compulsivo ecoava. As pessoas que não o conheciam ou que compareciam ao cemitério para enterrar os seus mortos ou visitar túmulos de entes queridos, tinham-no como louco. Os que sabiam de sua história e os funcionários do cemitério acostumados com a sua presença, condoíam-se com a sua dor. “Ele amava muito a mulher” – Ficavam a comentar.
Em vão os amigos tentavam demovê-lo da ideia de continuar visitando, todos os dias, aquele lugar. Agnaldo mal se alimentava e isso o levou a um estado de magreza que passou a preocupar os amigos. “Ele precisa urgentemente de um tratamento psicológico” – diziam alguns. “É preciso que ele reaja, retome a sua vida, senão irá morrer também” – afirmavam outros. Afinal, o amor da sua vida não mais estava entre os vivos. Alguns acreditavam que ele a encontraria novamente na eternidade. Era preciso que ele aceitasse e entendesse a morte como um destino natural de todo ser vivente.
Certo dia, quando costumeiramente se fazia presente ao lado do túmulo de Betânia, percebeu-se que ele não estava só. Havia outra pessoa, no lado oposto, sem que se soubesse de quem se tratava nem de onde aparecera. Imaginavam fosse algum amigo compartilhando a tristeza de Agnaldo, mas a verdade é que nem este sabia quem era. Ninguém se dirigiu àquela estranha criatura, que também se portava de forma compungida. Foi quando esta gritou em alta voz, alcançando os ouvidos até mesmo dos que estavam mais distantes: “Era uma santa!”. Dito isso, ajoelhou-se e de mãos postas e em silêncio contemplava a tumba de Betânia. Os lábios balbuciavam alguma coisa mas, nenhum som se ouvia.
O tempo passou e começaram a serem vistas outras pessoas ao redor do túmulo de Betânia, além do seu amado Agnaldo. Nos dias que se seguiram, outros foram sendo agregados, formando-se uma pequena multidão, ocasião em que eram ouvidas fervorosas orações e manifestações de toda a sorte. Alguns se ajoelhavam e levantavam as mãos para os céus, em sinal de prece. Daí por diante formou-se uma verdadeira romaria, com muitas flores atiradas sobre o túmulo, onde velas eram acesas.
Agnaldo não mais fazia parte do grupo que diariamente se aglomerava em torno do túmulo de Betânia. Não se sabe se incomodado com isso ou por outros motivos. Ouviu-se dizer que estava de paquera com uma colega de trabalho.