O FARDO DE ATLAS

Reinar é o alvo da ambição mais nobre,

Inda que seja no profundo Inferno:

Reinar no Inferno preferir nos cumpre

À vileza de ser no Céu escravos.

(Lúcifer - Paraíso Perdido, Canto I)

- Eu não posso mais, Magnus... A escolha que você me impõe é dura demais. É aqui que nos separamos.

A expressão de desespero estampada em seu rosto com aquela declaração era simplesmente dilacerante.

- Mas, por quê? – insistia desarvorado – Por quê? Você havia jurado amor eterno! E a nossa história? Tudo que vivemos juntos? Como você pode querer jogar tudo para o alto desta forma, Lara?

- Está além das minhas forças deixar para trás quem me é tão caro para estar ao seu lado – tornou ela por fim, sem conseguir fitá-lo.

Magnus segurou-a pelos ombros e obrigou-a a olhá-lo nos olhos.

- Olhe para mim, Lara! Diga olhando em meus olhos que deseja realmente fazer isto!

Os olhos da moça se nublaram de lágrimas.

- Magnus, por favor... Não torne as coisas ainda mais difíceis – rogou soluçante – Eu não posso mais! Eu não posso deixar minha família para trás! É um sacrifício alto demais! Eu jamais conseguiria ser feliz com você se fizesse isto! A única razão para que eu ainda consiga amá-lo é porque posso ter ambos, você e eles...

- Uma família que te explora! Que te enxerga apenas como mais um par de braços para sustentá-los e levá-los nas costas! Eu estou farto disso, Lara! Há quanto tempo estamos juntos? Quantas vezes pudemos ter um tempo só nosso, um lugar só nosso, sem que os teus malditos parentes se interpusessem como uma sombra agourenta nos roubando a paz? Pouquíssimas vezes! A única coisa que quero é que sejamos livres de tudo isto. Você merece mais, uma vida melhor e digna. Eu não posso suportar o parasitismo dessa gente a vampirizar o amor da minha vida! – explodiu ele.

Lara soltou-se dos braços do namorado e desabafou igualmente exasperada:

- Então é assim que você os enxerga? Como parasitas? Magnus, eles são a minha família! O sangue do meu sangue! Meus pais e irmãos! Eu cresci colaborando com eles e eles fizeram a mesma coisa com os meus avós. É um dever comezinho tratá-los com respeito e auxiliá-los!

- Você é mulher numa casa repleta de homens preguiçosos e fanfarrões! Por que você tem de fazer funções que originalmente seriam deles? Isso é um absurdo! Não percebe que eles te exploram e têm prazer em fazê-lo?

- São meus irmãos! – volveu ela cada vez mais alterada – Eles estão acostumados a fazer assim muito antes de eu nascer. Sou a caçula da família e não posso me furtar à obrigação de cuidar dos meus pais! Meus irmãos não trabalham e não ajudam em casa. O que você quer que eu faça? Que os deixe definhar e morrer de fome? É isto?

O jovem mordeu os lábios encarando a companheira com uma expressão onde agora se lia uma profunda indignação pela sua subserviência àquela conjuntura. O vento soprava forte na colina onde se encontravam e inflava o manto que trazia por sobre os ombros, preso por um broche em forma de sol raiado.

Magnus percebeu que era inútil prosseguir naquela argumentação. Lara não iria segui-lo, apesar de todo o amor que dizia sentir por ele. O compromisso odioso com aquela malta de sevandijas era mais forte do que o sentimento que um dia os havia unido.

- Responde, Magnus! – rugiu a moça – Eu devia deixar minha família à míngua só pra estar com você? É isto?

O militar desviou o olhar para o horizonte por alguns instantes. O sol deslizava por entre um sudário de nuvens plúmbeas, mergulhava no poente e se liquefazia no oceano em tons de ouro e ametista. Era no mínimo irônico que o fim daquela relação acontecesse ali, no ocaso, onde tantas vezes haviam se encontrado para assistir aquele mesmo espetáculo e sonhar com o futuro olhando as estrelas. Voltou-se para a namorada e, com um ricto de amargor estampado no semblante, disse finalmente:

- Se realmente me amasse como dizia, você seria capaz de enxergar o que lhe caberia fazer, Lara. Mas entre o nosso amor e a sua obsessão por essa escória que você chama de família, você opta pela segunda sem pestanejar...

Violenta bofetada interceptou o raciocínio do jovem cadete.

- Nunca mais se atreva a chamar a minha família de escória!

Aquilo lhe doera muito mais na alma do que no rosto. Ele volveu a face para ela lentamente e, com um lampejo de indescritível ira a coruscar em suas pupilas azuis, respondeu com um sorriso ácido e um acento transbordante de rancor:

- Não se preocupe. Você nunca mais verá a minha boca proferir qualquer coisa do gênero... Mas você lamentará esta hora, Lara. Eu lhe asseguro que a dor dessa bofetada será devolvida com o dobro da humilhação que você me faz experimentar agora! E ela não atingirá o seu rosto, mas alcançará diretamente o seu coração!

Fosse pela reação assustadora de Magnus ou por haver se dado conta de que havia agredido a quem tanto amava, Lara tentou acercar-se do rapaz e implorar perdão pelo que fizera. Mas era muito tarde. Aquele gesto tresloucado acabara de sepultar para sempre qualquer chance de reconciliação entre ambos.

- Não me toque! – disse ele esquivando-se da jovem com se ela lhe fosse transmitir a peste – Já tive o bastante de suas mãos pelo resto de minha vida!

Com passo cadenciado, Magnus deu-lhe as costas e desceu a colina em direção ao dracar (1) que o aguardava no porto. Ainda era possível ouvir os soluços de Lara, que ficara para trás, de joelhos, a lamentar ruidosamente a infelicidade da escolha que fizera.

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Vinte anos haviam decorrido sobre o incidente anteriormente narrado.

Após uma guerra que reduzira a humanidade a um terço do seu contingente original de sete bilhões, a Terra foi posta sob a égide de um único governo, sediado na antiga Rússia. O novo regente planetário tomava para si o título de Atlas, numa clara alusão ao titã que fora condenado a sustentar a abóbada celeste sobre os ombros. A postura desse regente, no entanto, não consistia em carregar o mundo nas costas, mas sim em fazer com que o mundo o levasse sobre os ombros.

Os sobreviventes do grande conflito haviam retornado ao estado de barbárie, em conseqüência dos horrores experimentados. A civilização conhecida fora abandonada e substituída por um modelo onde clãs governavam grandes Áreas que outrora haviam sido continentes. Cada Área por sua vez subdividia-se em Zonas Administrativas. Todos os clãs estavam submetidos à autoridade suprema de Atlas, que fazia uso de poderes praticamente divinos para impor a sua vontade totalitária. Era dever dos clãs preservar a ordem em seus redutos e, os que fracassavam no cumprimento dessa incumbência, eram destituídos pelas portas da morte. Sempre que uma rebelião ocorria, o imperante supremo tratava de executar todos os membros do clã responsável, logo depois de afogar qualquer sinal de descontentamento popular em um mar de sangue pontilhado de cadáveres.

O regente costumava percorrer semanalmente cada uma das províncias e se incumbia de exercer a justiça pessoalmente. Uma vez por mês, na sala de audiências que ocupava o que no passado viera a ser o Kremlin, ele se dispunha a ouvir as súplicas dos cidadãos da capital. Era uma oportunidade única de obter clemência e justiça das mãos do próprio imperante ou, na pior das hipóteses, era a chance de incorrer na sua ira e experimentar as sevícias mais atrozes antes de uma morte infamante.

“O Fardo de Atlas”. Era assim que se referiam a essa audiência tanto os dignitários quanto o próprio imperante, pois se tratava de basicamente tomar sobre os ombros a responsabilidade de levar o mundo adiante. E, para desincumbir-se desta tarefa, não raro Atlas fazia uso da violência e do terror. Na verdade, naqueles dias turbulentos, o diálogo e a diplomacia eram um luxo demasiado escasso nas lides políticas. Vigorava a lei do mais forte, o imperativo predatório da submissão pelo medo, ao qual se dobravam coletividades inteiras, pouco mais de dois bilhões de pessoas, que haviam tido a infelicidade de não sucumbir à guerra e às epidemias que se seguiram.

Numa manhã fria do mês de outubro, onde o sol se esgueirava sorrateiro por entre a neve que caía, o salão de audiências estava lotado. Sentado em seu trono, Atlas ouvia com ares de enfado o relato detalhado das solicitações de seus súditos, através dos arautos e áulicos responsáveis pela solenidade. O regente era um homem alto e forte, de presumíveis quarenta e cinco anos, cabelos loiros e ralos, barba dourada e que ostentava uma cicatriz em forma de meia lua na bochecha direita. Os olhos, de um azul ígneo e penetrante, eram frios e cruéis como as geleiras eternas da Sibéria, sendo que o esquerdo, perdido durante a guerra, era vedado por um tapa-olho.

Ao final do relatório, ele indicaria verbalmente quais seriam os casos que mereceriam sua atenção particular. Desta vez, deteve-se em cinco rogativas e ordenou que os demais se houvessem com os dignitários responsáveis por cada Área da capital. Analisou detidamente as quatro primeiras petições, dando ganho de causa a dois solicitantes e ordenando a prisão e execução dos outros dois. Quando chegou à quinta petição, fez questão de ouvir da boca da própria impetrante o que a levava até ali.

A requerente era uma mulher que deveria ter pouco mais de quarenta anos, mas que aparentava ter pelo menos vinte primaveras a mais. Os cabelos encanecidos e as rugas de preocupação, embora indicassem um envelhecimento precoce em razão de agruras inconfessáveis, não eram capazes de ocultar a beleza que ela um dia tivera na juventude.

- O que a traz aqui, mulher? – interpelou o regente com voz grave e fria.

- Senhor – disse a solicitante com voz embargada – Venho pedir justiça para o meu filho. Ele foi preso há pouco mais de três semanas, injustamente acusado de tentar assaltar um preposto imperial.

- Como pode afirmar com tanta convicção que a sua detenção foi injusta?

A mulher inspirou forte, como se tentasse inalar mais do que o oxigênio, a coragem de confrontar abertamente aquele homem terrível e expor ali toda a extensão de seu drama.

- Sou viúva. Meu marido deixou-me na mais absoluta miséria depois de morrer, pois a única coisa que foi capaz de acumular foram dívidas de jogo que nos tomaram até mesmo a casa onde vivíamos. Conto apenas com o meu filho para obter o sustento, pois a saúde abandonou-me antes de atingir os quarenta anos e mal consigo lidar com as tarefas do lar sem o seu auxílio. Sergei é a única razão pela qual ainda vivo, pois ele me ampara como lhe é possível.

Atlas franziu o sobrolho. Havia qualquer coisa naquela mulher e naquele discurso que lhe soava estranhamente familiar e a familiaridade daquela situação lhe trazia grande desconforto. Asco talvez fosse a palavra mais adequada para descrever o sentimento que ora o empolgava.

- Não perguntei sobre a sua relação com o réu, mas sim sobre quais razões a levam a acreditar numa suposta inocência dele! – declarou com rispidez o imperante.

- Mas senhor! – volveu a desolada mãe – Estou velha e doente. Não posso me manter só! Não lhe causa dor o sofrimento de uma mulher idosa e desamparada? Por misericórdia, liberte-o!

- Misericórdia? – inquiriu agastado – Misericórdia? Qual a foi a misericórdia que o seu filho teve dos que ele matou friamente para obter o dinheiro que você afirma ser para o seu sustento? Consta nos autos do processo de Sergei Oliakoff que, além de latrocínio, pesam também acusações de associação para o tráfico e contrabando de armas para guerrilheiros na Área 3, Zona Administrativa A (2) , onde atuavam facções separatistas. Vai tentar me persuadir de que essas acusações são também falsas, senhora?

A medida que as acusações eram enumeradas, a velha empalidecia e arregalava os olhos. As acusações imputadas ao filho eram terríveis demais para que ela pudesse aceitar como verdadeiras.

- Não... Não pode ser! – balbuciou esfregando as mãos nervosamente.

- Mas é esta a verdade, senhora Oliakoff! – declarou Atlas – Por acaso o seu falecido esposo não se chamava Ivan Oliakoff?

- Sim... Respondeu a solicitante atarantada.

- Saiam todos! – ordenou o imperante – Quero ficar a sós com a requerente.

Imediatamente a sala foi esvaziada. Sem entender a razão pela qual ficaria a sós com o terrível governante do mundo, a mulher pôs-se a tremer nervosamente. Quando finalmente estavam apenas os dois, Atlas desceu do trono e dirigiu-se à mãe de Sergei com uma expressão indefinível.

- Velhos hábitos jamais morrem, não é mesmo... Lara? – murmurou o imperante com um olhar de lobo prestes a devorar a ovelha encurralada.

A menção do seu nome fez a mulher paralisar de terror. Sentiu que o sangue lhe congelara nas veias ao reconhecer de chofre ali, na pessoa do homem mais poderoso e mais temido do planeta, a figura do antigo namorado que havia abandonado para ficar ao lado da família.

- Magnus? – tartamudeou incrédula – Não... É impossível! Eu achei que você houvesse...

- Morrido na guerra? – atalhou abruptamente o interlocutor – Não. Não sou um fantasma, como pode ver. Perdi muitas coisas no campo de batalha, incluindo o olho esquerdo e algumas crenças, mas não a vida. Ergui-me das cinzas como a fênix e hoje conduzo o mundo a novos rumos. Rumos de retidão e justiça, como os que me fizeram ingressar no exército escandinavo no passado e que faço questão de preservar até hoje. Infelizmente, você, pelo que vejo, optou por perseverar na mediocridade, não?

Lara crispou a mão sobre o xale em que se envolvia e encarou o antigo companheiro com um olhar transbordante de amargor.

- Você não faz ideia do que eu sofri depois de ser abandonada por você naquela colina... murmurou com acento dolorido – Os meus pais morreram dois anos depois e eu tive de sustentar sozinha a casa. Os meus irmãos enveredaram pelo vício e eu cheguei até mesmo a me prostituir para ter o que comer, quando a guerra destruiu por completo a nossa cidade. Você nunca voltou para procurar-me, mesmo sabendo que o nosso país havia sido arrasado, fez questão de ignorar-me por completo! Nunca se preocupou com o que havia sido feito de mim, ainda que no passado houvesse dito que me amava...

-Eu? Procurar você? – redarguiu Magnus imperturbável – Por que o faria? Foi sua a escolha de ficar com uma família de parasitas ao invés de seguir comigo. Eu não a ignorei, Lara. Muito pelo contrário. Vê esta cicatriz? Estilhaço de uma mina terrestre na batalha de Moscou. Coincidentemente, foi no mesmo local onde você me esbofeteou. A dor da humilhação daquele dia jamais saiu da minha memória. Na verdade, ela ficou estampada em meu rosto para que eu jamais esquecesse da vileza e perversidade dos humanos. A sua e a dos malditos russos, a quem tive a chance de exterminar posteriormente. Você sempre permaneceu na minha mente, como a lembrança perene de que é necessário deixar para trás tudo aquilo que nos impede de crescer. Eu realmente te amei e amei muito, mas você foi incapaz de abrir mão da própria comodidade em que se afundou em nome da sua própria covardia. Você chamava de amor familiar o que não passava de baixeza e falta de caráter. Eu te acenei com a possibilidade de uma vida melhor e mais digna, mas você preferiu a indigência ao lado de quem te vampirizava. Por fim, acabou se casando com um beberrão irresponsável para o qual abriu as pernas e gerou um filho tão imprestável quanto o resto da sua grei imunda...

Ela fez menção de esbofeteá-lo, mas a mão de Magnus agarrou tenazmente a sua, obstando-lhe o desaforado tentame de vinte anos antes.

- Não! – rosnou ele torcendo com violência o braço de Lara – Não desta vez! Já tive o bastante de suas mãos pelo resto de minha vida!

Lara caiu de joelhos desferindo um grito lancinante, que dizia tanto da dor física quanto da humilhação que lhe era imposta. A infeliz mulher ficou prostrada, soluçante, tal qual o fizera no passado, quando optara pelo rompimento com o antigo namorado. Agora, porém, a situação era duplamente mais dolorosa. Ela perdera absolutamente tudo. Até mesmo o filho, seu último anteparo no mundo, estava em poder do ser mais temido do orbe terrestre, que agora se vingava impiedosamente da rejeição sofrida na juventude.

- Monstro! – choramingou ela – Como tem coragem de fazer isto com uma velha indefesa?

- Não há aqui uma velha indefesa, mas sim uma serpente que deseja morder sem ter mais presas para isto! – sentenciou Magnus impiedoso – As coisas mudaram, Lara. Não sou mais o cadete generoso de outrora, sou Atlas, o implacável. Aquele cuja existência sustenta o próprio mundo e que, para isso, não pode ficar se rendendo ao sentimentalismo vulgar de que você faz uso.

Ele deu-lhe as costas e caminhou em direção ao trono, deixando-a ali, de joelhos, tal como fizera no passado.

- Entretanto, estou disposto a ser generoso para com você – ponderou sem se voltar para a interlocutora – Você sempre se dedicou à sua família, viveu tão somente para isso. Você viveu acreditando que era sua obrigação levar a própria casa nas costas, não seria justo privá-la dessa ilusão doentia agora, depois de passar tantos anos jogando a própria vida no lixo.

Lara olhou-o com desconfiança

- O que você pretende?

- Você quer Sergei, eu irei libertá-lo. – disse olhando por cima do ombro.

Magnus acionou o dispositivo de vídeo-conferência e mandou que trouxessem o referido prisioneiro. Em menos de dez minutos a ordem foi cumprida. Sergei foi introduzido no salão por quatro oficiais e um destacamento de dez soldados, que o imperante permitiu ficar no recinto. O rapaz de dezessete anos trazia escoriações por todo o corpo e andava com dificuldade. Quando viu a mãe, abraçou-a efusivamente. Ambos choravam pelo reencontro e pela circunstância em que ele se dava.

A cena durou alguns minutos, acompanhada de perto pelo imperante, que decidiu quebrar o silêncio com um aplauso de deboche.

- Que momento tocante... Realmente, Lara. O seu pendor para sustentar fardos inúteis é incomparável. Eu seria capaz de chorar se tivesse lágrimas... Para desperdiçar com algo tão asqueroso!

Num movimento rápido e inesperado, Magnus tomou da lança de um dos oficiais e perfurou ambos, mãe e filho, fazendo a ponta da lâmina atravessar o coração de Lara e rasgar-lhe as costas. Uma rosa de sangue brotou no lugar da chaga.

O dantesco da cena horrorizou até mesmo os soldados presentes. Ainda que estivessem afeitos à crueldade tigrina do seu comandante, jamais haviam testemunhado algo tão monstruoso quanto aquilo: assassinar friamente mãe e filho enquanto se abraçavam, sob a promessa de se unirem novamente.

- Por...quê? – balbuciou Lara por entre os borbotões de sangue vivo a lhe brotar do peito trespassado.

- Eu disse que reuniria vocês, mas não especifiquei como o faria – respondeu com frieza – Aqui acaba a semente do homem que você preferiu a mim, bem como as escolhas estúpidas que nos trouxeram até esta situação.

Magnus puxou a lança com um movimento brusco. Imediatamente o sangue jorrou em catadupa de ambas as partes, de Sergei e de Lara. O corpo do jovem tombou sobre a mãe, que se quedou com os braços erguidos sobre a cabeça como se buscasse levantá-lo.

- Eis o fardo de Atlas – concluiu o imperante a fixar os dois cadáveres dispostos no assoalho em forma de cruz – Conduzir o mundo sobre os ombros sem jamais se deixar esmagar por ele. Ai daqueles que ousam erguer um fardo superior às suas próprias forças! Estão condenados a morrer esmigalhados sob o peso da própria iniquidade...

(1) Variante aeroespacial dos antigos navios de guerra vikings, comuns na Escandinávia pela segunda metade do século XXI.

(2) Termo que designa a América do Sul nas últimas décadas do século XXI.

Alan Thanatos
Enviado por Alan Thanatos em 28/12/2015
Reeditado em 28/12/2015
Código do texto: T5492785
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